sábado, 31 de janeiro de 2009

Entrevista sobre livre orientação sexual

Entrevista publicada no site www.todaformadeamor.com.br.

A assistente social e lésbica Marylucia Mesquita fala sobre livre orientação sexual.

Ser mulher e ser lésbica ainda é uma missão que encontra obstáculos num país marcado pelo machismo e pelo preconceito. A Assistente Social e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marylucia Mesquita não só sabe lidar com essa realidade, como também se tornou um exemplo na luta pela igualdade das mulheres e principalmente das lésbicas. Ela é a Coordenadora Executiva do DIVAS, o Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual e como incansável pesquisadora faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE/UFPE). O trabalho no DIVAS já lhe rendeu um marco: ter realizado um protesto reunindo gays e lésbicas em Olinda com o primeiro "beijaço" a acontecer em Pernambuco. Ativista da Liga Brasileira de Lésbicas, do Fórum de Mulheres de Pernambuco e do Fórum de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros de Pernambuco ela conta, nesta entrevista, como é o desafio do sexo considerado frágil, mas que no fundo é uma fortaleza.

TODA FORMA DE AMOR - Quando você passou a ser militante da causa e motivada pelo que ?
MARYLUCIA MESQUITA - Passei a ser militante desde os idos dos anos 1990, quando cursava Serviço Social, na Universidade Estadual do Ceará e, juntamente com mais duas amigas facilitávamos oficinas sobre sexualidade numa perspectiva da NÃO reprodução da heterossexualidade compulsória. Na época ainda não me publicizava como lésbica. Essa identidade política tomei a decisão de incorporar à minha vida a partir da minha inserção no movimento feminista, mais precisamente no Fórum de Mulheres de Pernambuco, a partir de novembro de 2002. Todas as lutas por direitos necessitam e exigem sujeitos políticos, com o movimento de mulheres lésbicas não pode ser diferente! Esta é uma motivação. Outra, que se vincula a esta é considerar que NÃO EXISTE outra alternativa para a garantia do respeito à diversidade sexual senão quando o maior número e, um dia, espero, a totalidade de gays e lésbicas puderem ser cidadãos/cidadãs "por inteiro e não pela metade" como quaisquer outros(as), ou seja, poderem transitar livremente no espaço público sem precisar, tanto na vida pública e, muitas vezes, também, na vida privada (família e amigos(as)) viverem duas vidas.

TODA FORMA DE AMOR - A mulher e em especial a lésbica tem o que comemorar no seu dia?
MARYLUCIA MESQUITA - Veja, o 8 de março tem um significado político para marcar uma homenagem às mulheres operárias têxteis que durante o 8/03 de 1857, trabalhavam em uma fábrica em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho (equiparação ao salário dos homens e redução da jornada de trabalho). A fábrica foi incendiada, e cerca de 129 mulheres morreram queimadas. O 8 de março - Dia Internacional da Mulher - tem um significado político porque marca a resistência das mulheres às múltiplas opressões e explorações que sofrem no dia-a-dia. A data vem como referência, inicialmente, às operárias que foram incendiadas, mas se estende a tantas outras que ousaram e ousam, enfrentar, cotidianamente, as múltiplas opressões cotidianas. No entanto, é necessário visibilizar que, nós, as mulheres, somos diversas: brancas, negras, índias, deficientes, magras, gordas, trabalhadoras, desempregadas, mães, filhas, jovens, velhas, de baixa estatura e alta estatura, deusas e bruxas, heterossexuais, bissexuais e lésbicas... E, em meio a esta diversidade, quero chamar atenção à singularidade da mulher lésbica. Será que temos o que comemorar? Acredito que sim e que não! Que sim porque como as demais mulheres essa data marca politicamente a nossa resistência, luta e conquistas frente aos inúmeros desafios. Para lésbicas que optaram em publicizar sua orientação sexual e arcar com as inúmeras conseqüências, predominantemente negativas, dessa decisão, é momento de revitalizar as energias e buscar coragem e formação permanente, tomando como inspiração as trajetórias de Safo, de Felipa de Sousa e, outras que ficaram no anonimato...
Para lésbicas que ainda não estão fortalecidas o suficiente e ainda vivem “duas vidas” pode ser um momento de refletir mais criticamente sobre o que está faltando para virar pelo avesso e romper com a histórica submissão e invisibilidade. E quando afirmo que não é momento para se comemorar, mas sim, momento para se refletir crítica e politicamente porque ainda não rompemos plenamente com a invisibilidade obrigatória que fomos submetidas e que se reflete, no dia-a-dia, em violência física, sexual e em violência simbólica e psicológica, quando somos expulsas de nossas famílias porque não admitem uma filha lésbica ("melhor que fosse ladra"); quando perdemos a guarda de nossos(as) filhos(as) porque somos consideradas "incapazes" por ter uma orientação sexual não heterossexual; porque somos violentadas sexualmente por homens que não aceitam que podemos sentir prazer e sermos felizes amando outra mulher e não um homem; quando somos perseguidas em nossos trabalhos devido a nossa orientação sexual. Aqui nossa competência é colocada em xeque. Quando não existimos para as estatísticas; quando a Delegacia da Mulher não está preparada para atender mulheres lésbicas vítimas de violência de mulheres ou de homens; quando o amor que sentimos é considerado ainda, em pleno século XXI, como doença, pecado ou safadeza... Há muito para se conquistar...

TODA FORMA DE AMOR - As lésbicas têm maior aceitação por parte da sociedade? A novela Senhora do Destino mostrou isso?
MARYLUCIA MESQUITA - Primeiro, não queremos ser aceitas/ toleradas. Queremos ser respeitadas!!! E isso faz uma grande diferença. Segundo, acredito que se realmente se tratasse de respeito não seríamos estereotipadas como assexuadas, sem desejo e erotismo como aparece em todas as novelas que tratam do tema, inclusive, em Senhora do Destino, apesar de avanços de outra ordem, como pautar a união civil, o direito à adoção por um casal de lésbicas; a vivência como lésbicas frente às famílias, amigos(as) etc. Mas, mesmo em relação a estes é tudo muito implícito. Diferente de todos os casais heterossexuais que têm uma relação afetivo-sexual.

TODA FORMA DE AMOR - É mais fácil para a lésbica se impor numa sociedade que ainda não se livrou do machismo ?
MARYLUCIA MESQUITA - Claro que não!!! Uma sociedade fundada no patriarcado, onde o machismo é uma expressão, torna-se muito difícil e desafiante, cotidianamente, nós, lésbicas, podermos publizar nossa orientação sexual. No entanto, e contraditoriamente, cabe a nós, enquanto movimento de mulheres lésbicas, juntamente com o movimento de gays e movimento feminista e outros que queiram se somar contribuir para que a sociedade reveja seus desvalores, seus tabus e seus modelos autoritários de felicidade...

TODA FORMA DE AMOR - Na relação heterossexual a mulher é verdadeira, ela é emoção, muitas vezes enfrentando a falta de caráter dos homens. Na relação lésbica existe esse lado ?
MARYLUCIA MESQUITA - Veja, considero a relação lésbica com as dores e delícias da relação heterossexual. Somos seres humanos, imperfeitos(as), com contradições, buscando a felicidade. Não acredito que a relação entre pessoas do mesmo sexo se constitua uma relação, por princípio, alternativa. Tudo vai depender das pessoas concretas envolvidas, suas histórias de vida, suas oportunidades, seus valores, suas formas de ver e encarar o mundo etc.

TODA FORMA DE AMOR - Está a frente de uma entidade de defesa dos direitos da diversidade exige o que ?
MARYLUCIA MESQUITA - Coragem, determinação, simplicidade e competência técnica-ética-política-teórica e metodológica e compromisso com a construção de uma sociedade de mulheres e homens livres, o que exige a articulação com outros movimentos sociais e entidades de mulheres, gays, feministas, negros(as), de direitos humanos etc. Exige ainda disponibilidade de tempo para dar conta de frentes que se desdobram, bem como da criação de alternativas frente à omissão do poder público. O que não significa colocar-se em seu lugar, mas de ir abrindo caminhos... Exige ter fortaleza subjetiva para enfrentar a violência simbólica e psicológica que se dissemina pela mídia, pelas religiões, pelas práticas fundamentalistas que querem negar o direito de existir, amar e ser feliz. Exige indignação permanente para não sucumbir aos inúmeros obstáculos do dia-a-dia. Exige compreender que a nossa luta por direitos sexuais não pode ser desarticulada com a luta por uma outra sociabilidade que não seja esta dominada pelo capital, onde vale o ter e não o ser, onde somos mercadoria e não sujeitos. Temos que cotidianamente assumir uma postura crítica e propositiva para a construção de uma sociabilidade emancipada de mulheres e homens plenamente livres.

TODA FORMA DE AMOR - O que é imprescindível conquistar de imediato para o avanço das conquistas dos homossexuais?
MARYLUCIA MESQUITA - 1- efetiva responsabilização do poder público frente às omissões nas legislações;
2 - criminalizar a homofobia e a lesbofobia através de lei, a exemplo da Lei Caó que instituiu o racismo como crime;
3 - fiscalização e punição frente às práticas de homofobia e lesbofobia;
4- capacitar a rede pública e privada educacional para que incorpore a livre orientação sexual como tema transversal;
5 - campanhas educativas que sensibilizem a sociedade para o respeito à diversidade, seja de cunho étnico-racial, por orientação sexual, dentre outros;
6- Eliminar todos os programas televisivos, radialísticos que violam a dignidade de mulheres lésbicas e homens gays;
7 - mais lésbicas e gays que se disponibilizem a somar conosco na luta cotidiana por direitos;
8 - ampliar o número de lésbicas e gays conscientes de seus direitos e que podemos conquistar muito mais através da organização coletiva como fizeram outros movimentos (negros(as), feministas, DH etc.);
9 - denúncias em caso de discriminação por orientação sexual;
10 - maior articulação entre os movimentos gay, de lésbicas, feministas, de DH, de negros(as);
11- No caso específico de Pernambuco, a criação de legislação estadual contra discriminação por orientação sexual por estabelecimentos comerciais e públicos.
12 - cumprimento das conferências e diretrizes internacionais em que o Brasil é signatário;
13- Retirada de Severino Cavalcanti da Câmara Federal pois que representa o que há de mais atrasado e conservador frente aos direitos e lutas dos movimentos de mulheres, feministas, de gays e lésbicas, de direitos humanos etc.

(da Redação do Toda Forma de Amor)

Livros de ficção

(informações das editoras)

Adeus, Maridos - Mulheres que escolheram mulheres
Autoras: Ellen Farmer e Deborah Abbot
Editora: Edições GLS
Um incontável número de mulheres se casa com homens, tem filhos e, de repente, se descobre apaixonada por outra mulher, deixando para trás toda uma respeitável vida heterossexual para viver conforme o coração. Este livro reúne relatos verdadeiros de mulheres que passaram por esta transformação profunda. Entre os depoimentos encontra-se o da coronel Margarethe Cammermeyer, tema do filme "Servindo em Silêncio".

A Primeira Dança, Histórias de amor entre mulheres
Autora: Christine Cassidy e Barbara Grier
Editora: Edições GLS
Este é um livro fascinante escrito por mulheres para mulheres. São vinte e três histórias que, a partir de situações absolutamente comuns da vida cotidiana, falam sobre o amor, a paixão e o desejo num universo exclusivamente feminino.

Balada para as meninas perdidas
Autora: Vange Leonel
Editora: GLS
Imagine se Peter Pan, Wendy e Sininho fossem lésbicas à solta na noite de uma metrópole, e a Terra do Nunca uma boate da moda cheia de meninas perdidas? Numa divertida releitura da clássica história, o novo livro de Vange Leonel retrata a cena clubber de jovens lésbicas modernas com toques de romance, música eletrônica, filosofia, fantasia e muito, muito sexo.

Duas Iguais
Autora: Cinita Moscovich
Editora: Record
DUAS IGUAIS é um romance corajoso, que tematiza o amor homossexual sem recorrer a engajamentos ou a um manual de bons modos. Assim como o amor, o romance entre Clara e Ana é natural, espontâneo. Mas vai além. Situando o caso no contexto da comunidade judaica de Porto Alegre, Cinitia Moscovich revela um choque cultural, além do emocional. Enquanto Ana auto-exila-se em Paris, Clara penetra, pouco a pouco, nos
umbrais do mundo adulto, complexo e sútil.

Grrrls - Garotas Iradas
Autora: Vange Leonel
Editora: Edições GLS
Vange Leonel é uma cantora de rock multi-facetada. Além de feminista que assumiu publicamente sua homossexualidade muito antes de isso ser moda, adora escrever. Dirigiu uma peça de sua autoria, As sereias da Rive Gauche, sobre um grupo de lésbicas morando em Paris na década de 1920, e por quatro anos publicou artigos dirigidos a mulheres na revista gay Sui Generis. O presente livro reúne uma selecção dos melhores entre esses artigos, acrescidos de uma série de textos inéditos sobre lesbianismo. Como não podia deixar de ser com uma autora tão contra a corrente, Vange pesquisa aspectos curiosos de personalidades históricas, ri de alguns hábitos recentíssimos da cultura gay, analisa filmes e livros, e passa seu olhar irónico e inteligente até pela boneca de Maria Bethania. Nathalie Barnes, Virginia Woolf, Safo, Joana d’Arc dividem páginas com personagens de novelas, Xena e Gabrielle, feministas e pilotas de lancha, em textos curtos e informativos que podem ser lidos em qualquer ordem.

Julieta e Julieta
Autora: Fátima Mesquita
Editora: Edições GLS
A primeira paixão com sotaque espanhol e gosto de rum. Uma menina descobre a vida nos bares e boates na companhia de uma colega assumida. Duas mulheres comemoram dez sensuais anos juntas. Histórias românticas bem brasileiras, com sabor de pão-de-queijo, fofoca, ciúme e muito amor.

Lado B Histórias de mulheres
Autora: Lúcia Facco
Editora: Edições GLS
“Eu vi. Ou melhor, eu a vi. Vinha andando com um colega, completamente molhada. A roupa colando no corpo, mas isso eu não vi. Eu vi apenas nascendo, nos cabelos curtos lisos e negros, fios de água que escorriam lentamente pela nuca [...]”. Histórias sensíveis, inteligentes, sutis, de mulheres que vivem seus amores por outras mulheres sem alarde nem culpa. Da mesma autora de As heroínas saem do armário.

Longa carta para Mila
Autora: Andréa Ormond
Editora: Edições GLS
"Agora olhava fixamente para a boca de Paula, uma boca carnuda e feminina como a minha, que se aproximava cada vez mais e mais... Pôs a mão delicadamente na minha nuca, com os dedos entre os meus cabelos, e me puxou. Nossas línguas se encontraram e se procuraram de novo. Era o melhor gosto que eu já sentira na vida." Neste livro, Andrea Ormond conta a história fascinante de luta, autoconhecimento e amor-próprio vivida pela heroína Cris, uma mulher como tantas outras, com dilemas e certezas.

Lua de Prata - Quando a paixão acontece entre mulheres
Autora: Valéria Melki Busin
Editora: Edições GLS
Ana Maria entra em choque ao descobrir a traição de sua mulher Rita. Ao mesmo tempo, sua colega Mirella está às voltas com uma difícil separação de seu violento marido. As duas ficam amigas e juntas abrem novos caminhos para o amor, o prazer e a felicidade.

Malena y el Mar
Autora: Mariana Pessah
Editora on line: Creatividad Feminista
Editora: Colecion Libertaria
En Malena y el Mar la autora no sólo juega con la ficción y elementos autobiográficos, sino también con el recurso reflexivo del arte y la rebeldía en tanto elementos de la transformnación social. Entre amores y reflexiones sobre su realidad y sobre el papel y el sentido de la fotografía Mariana Pessah va armando una novela llena de riqueza.

Postal de Alice Springs - Um romance entre mulheres
Autora: Diana Simmonds
Editora: Edições GLS
Jody Johnson, uma jovem cantora country em tour com sua banda pela Austrália, sofre um acidente e é obrigada a passar alguns dias em uma pousada no meio do deserto. Lá ela conhece Grace, uma italiana belíssima que trabalha com a família enquanto se recupera de um casamento desastroso. As duas experimentam uma atração que pode mudar suas vidas. Escrito por uma australiana, este romance vem juntar-se aos sucessos
românticos para lésbicas das Edições GLS, que mostram que o amor entre mulheres combina muito com final feliz.

Teresa e Isabel
Autora: Violette Leduc
Editora: Relógio d’Água
«Teresa e Isabel» é a narrativa da paixão entre duas adolescentes, vivida até à exaustão nos recantos solitários de um colégio. Escrita em 1955, como primeira parte de «Ravages» foi considerada escandalosa, sendo publicada, como livro, apenas dez anos depois.

Livros de não-ficção

(informações das editoras)

As Heroínas saem do Armário - Literatura lésbica contemporânea
Autora: Lúcia Facco
Editora: Edições GLS
Os romances lésbicos produzidos actualmente não chegam a ter o status de subliteratura. Costumam ser ignorados tanto pela crítica quanto pela academia. Para preencher essa escandalosa lacuna, Lúcia Facco, mestre em Literatura Brasileira pela UERJ, analisa cinco romances escritos por e dirigidos a lésbicas. O formato de seu trabalho já lembra um romance, construído na forma de cartas que a personagem envia a amigas e professores a respeito de sua orientação sexual. Leitura acessível, raro estudo teórico sobre o tema.

Dois é par: gênero e identidade sexual em contexto igualitário.
Autora: Maria Luiza Heilborn
Editora: Garamond
O livro coloca em foco a experiência de conjugalidade em uma perspectiva comparativa, enfocando tanto casais heterossexuais como casais homossexuais. Tratando das articulações entre igualitarismo, gênero e identidade sexual a autora busca salientar diferentes arranjos conjugais - ou padrões de conjugalidade - observáveis entre casais heterossexuais e homossexuais masculinos e femininos. O livro é parte da série Homossexualidade e Cultura.

Movimentos sociais, educação e sexualidade
Autoras: Miriam P. Grossi, Simone Becker, Juliana C. M. Losso, Rozeli M. Porto e Rita de C. F. Muller (orgs.)
Editora: Garamond
A coletânea “Movimentos sociais, educação e sexualidade” traz à tona discussões interdisciplinares ligadas à educação, às sexualidades e aos movimentos sociais. Os textos se estruturam em torno de quatro eixos: homossexualidades, sexualidades em interface com as teorias, os movimentos sociais e a educação. O livro mostra o diálogo possível entre os movimentos sociais e a academia em artigos que discutem questões caras aos movimentos GLBTT, feminista e negro. A coletânea reúne trabalhos apresentados no seminário Movimentos Sociais, Educação e Sexualidades, promovido pelo CLAM em parceria com o Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da Universidade de Santa Catarina (UFSC) em abril de 2003.

Novas Famílias
Autor: Luiz Mello
Editora: Garamond
No primeiro capítulo, o autor trata da diversidade familiar na contemporaneidade e coloca em cena as “novas famílias”. Os três capítulos seguintes enfocam o Projeto de Lei, da sua criação às discussões no plenário, dando ênfase especial à participação da sociedade civil na Comissão Especial. O autor aborda ainda a visão religiosa, analisando a posição da Igreja Católica em relação à conjugalidade e à parentalidade homossexuais. O livro termina com um panorama da participação de gays e lésbicas na cena política brasileira.

O que é lesbianismo
Autora: Tânia Navarro-Swain
Editora: Brasiliense, Coleção Primeiros Passos
É preciso quebrar as palavras, abrí-las para enxergar a profusão de sentidos que as compõem, Lésbica, lesbianismo - não têm um significado evidente. Afinal, quem são elas? O que torna uma mulher lésbica? Uma emoção? Um desejo? Uma prática?Quem são as lésbicas, onde estão, por que delas se falam aos cochichos, entre olhares cúmplices? O que poderia criar laços de solidariedade e entre pessoas díspares, que vivem em mundos diversos, que percebem-no de forma plural? "Quero estar com pessoas que gostam das mesmas coisas que eu", dizia recentemente uma moça que se considerava lésbica. Mas que coisas são essas?

Para hombre ya estoy yo: masculinidades y socialización lésbica en un bar del centro de Río de Janeiro.
Autora: Andrea Lacombe
Editora: CAS-IDES
El libro Para hombre ya estoy yo: masculinidades y socialización lésbica en un bar del centro de Río de Janeiro es parte de la colección Serie Etnográfica, editada conjuntamente por el Centro de Antropología Social del Instituto de Desarrollo Económico y Social (CAS-IDES) y la Editorial Antropofagia. En el texto, Andrea Lacombe aborda la sociabilidad en un espacio “de hombres” que en su devenir fue ocupado por mujeres lesbianas. A través de una descripción detallada de la vida cotidiana de esas mujeres, la autora desmonta la idea consagrada de lo masculino y lo femenino y las categorías de sexo/género como estructuras binarias e inconmensurables, para dar lugar a una comprensión de otras múltiples masculinidades alternativas.

Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.
Autora: Judith Butler. Tradução de Renato Aguiar.
Editora: Civilização Brasileira.
Judith Butler propõe observar, de maneira geral, o modo como as fábulas de gênero estabelecem e fazem circular sua denominação errônea de fatos naturais. os textos estão reunidos de modo a facilitar uma convergência política das perspectivas feministas, gays e lésbicas sobre o gênero com a da teoria pós-estruturalista.

SCUM Manifesto: Uma Proposta para a Destruição do Sexo Masculino
Autora: Valerie Solanas
Editora: Conrad Editora
Valerie Solanas mendigou nas ruas de Nova York, foi aluna brilhante na universidade, foi prostituta, escreveu uma peça de teatro, era lésbica, foi atriz em filmes de vanguarda, foi junkie, deu um tiro quase fatal em Andy Warhol ("Eu considero isso um ato moral. Imoral foi eu ter errado. Deveria ter treinado mais"). Valerie Solanas já foi definida como o Malcom X do feminismo. Uma presença até incômoda para as instituições mais pragmáticas da luta feminista. Recusando qualquer proposta conciliadora, Solanas vai além da luta contra as mais óbvias atitudes machistas. Ela denuncia o próprio capitalismo como causa e conseqüência do machismo. Para ela, uma sociedade livre do poder do Macho significa necessariamente uma sociedade livre do poder do Dinheiro. "Depois de eliminar o dinheiro não haverá mais necessidade de matar os homens. Eles serão privados do único poder que têm sobre as fêmeas psicologicamente independentes." Sempre cruzando as fronteiras entre o discurso político, a sátira desbocada e o lirismo messiânico, Scum Manifesto é um clássico do feminismo e um dos principais documentos da luta libertária em nosso tempo.

Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras
Autoras (es): Adriana Piscitelli, Maria Filomena Gregori e Sergio Carrara (organizadores)
Editora: Garamond
A coletânea que o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/UERJ) e a Editora Garamond acabam de lançar, discute as negociações em torno da “normalização” de práticas sexuais, que foram objeto de intensa rejeição no passado. O livro mostra como tais negociações articulam-se ao aparecimento de novas fronteiras e convenções sociais com a criminalização de outras práticas, como a violência sexual e a pedofilia. Qual o impacto dessas convenções na medicina, na psiquiatria, na psicanálise, nas ciências sociais e na mídia? Como as ciências humanas lêem as convenções que compõem essa normalização e a criminalização de práticas que, embora envolvam questões relativas ao direito da livre expressão da sexualidade, provocam reações violentas, sugerindo até a possibilidade de estarmos frente a uma nova onda de pânico sexual? Os textos que integram o livro oferecem elementos para responder essas questões. A coletânea é resultado do Seminário de mesmo nome, realizado em junho de 2003 pelo CLAM/UERJ e pelo Núcleo de Estudos de Gênero PAGU, da Universidade Federal de Campinas. A maior parte dos textos publicados foram apresentados e debatidos no Seminário.

Sopa de letrinhas?
Autora: Regina Facchini
Editora: Garamond
Resultado de uma dissertação de mestrado em Antropologia Social defendida na Unicamp, em 2002, o livro "Sopa de Letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90"reconstitui a trajetória do movimento homossexual no Brasil, sobretudo de meados dos anos 80, buscando situar este movimento no interior das abordagens teóricas sobre movimentos sociais e terceiro setor.

Lesbianidade e feminismo: avanços e desafios para a Efetivação de direitos1

Marylucia Mesquita2

Em várias partes do mundo e no Brasil, em particular, o paradigma da heterossexualidade compulsória ainda permanece como algo natural. Como conseqüência mulheres e homens - que orientam seus desejos afetivo-sexuais por pessoas do mesmo sexo – vivem, na maioria das vezes, silenciados/as. Transitam socialmente como segmentos marginalizados e, portanto, como nos lembra Homi Bhabha (1998): “portadoras3 de sexualidades policiadas”. Ao afirmar isso não estou negando as inúmeras conquistas e avanços já alcançados desde os anos 80, quando da luta pelos direitos humanos de lésbicas, gays, travestis, transgêneros e bissexuais (LGBT), que tem pautado ao longo dos anos a bandeira arco-íris da diversidade sexual.

Algumas das conquistas merecem destaque: os Conselhos de Profissão – Medicina (em 1985) e de Psicologia (1999) retiram o carimbo da patologização das práticas homoeróticas. No Serviço Social esse debate conquista espaço público quando garante, dentre outros, no Código de Ética Profissional (1993) a indicação de princípios ético-políticos alicerçados em valores como democracia, liberdade, pluralismo, equidade e justiça social, incluindo como um de seus princípios “o exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física”. Sob tal orientação e, sobretudo, na perspectiva de fortalecimento e ampliação do projeto ético-político profissional cabe-nos interditar quaisquer práticas que afirmem expressões de opressão e isso vai se estender tanto à população usuária com qual lidamos cotidianamente, como à ação profissional como Assistente Social, bem como à convivência do Serviço Social com outras categorias profissionais.

Em 2001, tem-se a criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação. As Paradas da Diversidade Sexual nos estados tem ampliado a participação, inclusive de pessoas não-homossexuais. Atualmente, temos a proibição de discriminação por orientação sexual em três Constituições Estaduais (MT, SE e PA) e DF, além da existência de legislação específica em cinco estados (RJ, SC, MG, SP, RS) e mais de oitenta municípios brasileiros. No âmbito do movimento feminista brasileiro, temos, dentre outras ações, 1) em 2002, a Plataforma Política Feminista que inclui explicitamente um item – Da liberdade sexual e reprodutiva, apontando para vários desafios neste campo; 2) em 2003, o lançamento da Campanha por uma Convenção Interamericana dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, coordenada pelo CLADEM e outras entidades parceiras do movimento de mulheres latino-americano e caribenho. E mais recentemente (2004) temos o lançamento pelo governo federal, do “Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e Promoção da Cidadania Homossexual”.

No entanto, resguardados os avanços, considero que estas conquistas ainda são insuficientes, pois a repressão e a opressão exercidas sobre quem se relaciona afetivo-sexualmente com pessoas do mesmo sexo atingem graus de violência inaceitáveis. O Brasil tem se tornado o nº 1 em crimes homofóbicos. Outro dado que também merece destaque é que, segundo Sérgio Gwercman4 (2004), o Brasil nega 37 direitos fundamentais a pessoas homossexuais, dentre estes: não receber herança, não ter direito à visita íntima na prisão, não ter licença-maternidade para nascimento de filho da parceira, não ter suas ações legais julgadas pelas varas de família, não poder acompanhar o/a parceiro/a servidor/a público/a transferido/a.

Ao centrarmos o olhar sobre o cotidiano das mulheres lésbicas o cenário marcado pela homofobia torna-se um tanto mais caótico, tendo em vista que são múltiplas as formas de violação cometidas contra mulheres que amam mulheres. Tais violações não constam nas estatísticas oficiais, mas se expressam, cotidianamente, em variadas situações: no constrangimento quando se freqüenta os serviços de saúde e se constata o despreparo dos profissionais quanto à relação afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo; quando a escola silencia quanto à discriminação praticada contra a adolescente que vive o 1º beijo; quando os programas de humor são produzidos a partir da lógica sarcástica do deboche e do estereotipo com o segmento LGBT; através de atitudes preconceituosas e discriminatórias no trabalho; desorganizações emocionais advindas da pressão social seja da família, do trabalho, de amigos/as, das religiões. A violência psicológica e simbólica fica, por vezes, na invisibilidade, como na invisibilidade vivem, predominantemente, as mulheres lésbicas, “com seus amores reclusos e enquadrados pela negação de direitos” (LIMA:2004).

No feminismo, a sexualidade e a liberdade sexual foram considerados como princípios de luta. No entanto, a discussão esteve articulada, predominantemente, ao campo das demandas/necessidades reprodutivas e à vivência heterossexual. O que reflete, de certo modo, o modelo sexual socialmente reconhecido e legitimado como dominante. Pelo menos três determinações encontro para esse fato. Uma, se refere ao reconhecimento da “clandestinidade do lesbianismo”, ou seja, um fenômeno pouco estudado, de organização ainda frágil, carente, pois, de maior visibilidade social. O que não significa dizer que não haja uma organização política de mulheres lésbicas. Existem avanços, mas a articulação com os demais sujeitos políticos que constituem a sociedade civil organizada envolve tensões e sutilezas que, por vezes, obstaculizam o estabelecimento de pactuações políticas para além do jurídico-formal (Ávila e Gouveia, 2003).

Outra questão refere-se ao distanciamento entre a luta de mulheres e de homens homossexuais, apesar de ambos compartilharem a opressão exercida pela homofobia e questionarem a família heterossexual e patriarcal. O que traz como evidência que a questão de gênero permeia o debate em torno dos direitos, da visibilidade e construção de identidade de gays e lésbicas. As desigualdades de gênero não atingem, obviamente, apenas as mulheres heterossexuais. A este respeito, Soares (2001:05) nos adverte para importância de pensar sobre “os efeitos da dupla exclusão – enquanto mulher e lésbica – que são potencializados por outras condições como raça e classe”.

E uma terceira determinação, refere-se ao receio pessoal e político das feministas de serem tachadas de lésbicas. Isso talvez explique o quanto, segundo Ávila (2001), no início dos anos 1980, era comum a preocupação de feministas em enfatizar a identidade não necessariamente lésbica. Argumentavam que não se tratava de se considerar a lesbianidade um problema, mas faziam questão de demarcar a não generalização. Sob vários ângulos se pode compreender o “excesso” de cuidados por parte de algumas feministas a este respeito, mas compartilho do entendimento de Ávila quando afirma que “isso acabava criando apenas uma explicação social, sem o enfrentamento adequado desse ‘estigma’ e do que ele representa para a sociedade (...) Além de não enfrentar a questão lésbica, penso que o sujeito político feminista não tem ainda um discurso de defesa do lesbianismo. Existe até uma fala positiva em relação à questão da homossexualidade masculina, mas não do lesbianismo” (2001:07/08).

Nessa mesma linha de raciocínio, Charlotte Bunch (1996) destaca uma possível contradição no interior do movimento feminista: ao tempo que advoga por uma agenda de libertação da heterossexualidade compulsória de base patriarcal e contribui para elaborações conceituais e políticas que impulsionam o erotismo entre mulheres, também termina por deixar escapar resquícios homofóbicos quando identificamos os obstáculos que têm as mulheres lésbicas em garantir que suas reivindicações tenham eco nas conferências da ONU, por exemplo.

O debate em torno dos direitos sexuais na agenda feminista e na gramática dos direitos humanos marca a atualidade e o próprio conceito ainda não está consolidado5. Muitas das vezes quando vem a público os direitos sexuais comparecem na esteira dos direitos reprodutivos. Nesse percurso, vale realçar que a inclusão do termo sexual em documentos oficiais que tratam da saúde e dos direitos humanos das mulheres data da década de 19906. Mas somente em 1995, na Conferência de Beijing, na China, se deu a incorporação do termo sexualidade na arena dos direitos como fruto de advocacy de feministas do mundo inteiro. Resguardados os avanços, o termo traduziu efetivamente a preocupação em garantir serviços de qualidade no atendimento à saúde da mulher e não incluiu expressamente o direito à livre orientação sexual7.

Nesse sentido, apesar de identificar o início de ações e questionamentos no âmbito do movimento cada vez mais crescentes, identificamos a necessidade de ampliar o debate e a reflexão propositiva acerca dos direitos sexuais de lésbicas. Uma vez que o feminismo como pensamento crítico e prática política tem cumprido um papel fundamental, desde os idos de 1960, de questionamento do modelo patriarcal de construção da sociedade, de ruptura com uma identidade socialmente atribuída ao gênero feminino.

Considero que cumpre ao movimento garantir a radicalidade que o constitui, relacionando os princípios de autodeterminação, autonomia e controle sobre o próprio corpo ao debate em torno da diversidade sexual. Trata-se de “desenvolver uma teoria específica e radical para a sexualidade se quisermos conquistar direitos sexuais amplos, visto que a sexualidade tem suas próprias regulações e hierarquias” (Gonçalves, 2002:87).

Afinal, se num dado momento histórico foi necessário separar opressão de classe e opressão de gênero para compreender as particularidades das violações cotidianas vividas pelas mulheres, há que se reconhecer que apesar de ser o conceito de gênero a categoria de análise fundante do feminismo que tem contribuído para políticas mais igualitárias, tal categoria em si torna-se insuficiente para explicar as desigualdades que geram a opressão sexual. Afinal, “supor automaticamente que o feminismo se converte em teoria da opressão sexual é não distinguir entre gênero e desejo erótico (...). É absolutamente essencial analisar separadamente gênero e sexualidade, se se desejar refletir com maior fidelidade suas existências sociais distintas” (Rubin IN Gonçalves, 2002:87).

Compartilho do entendimento do Grupo HERA (In Gonçalves, 2002:84) acerca dos direitos sexuais como “elementos fundamentais dos direitos humanos que englobam o direito a uma sexualidade prazerosa, que é essencial em si mesma e ao mesmo tempo um veículo fundamental de comunicação e amor entre as pessoas. Os direitos sexuais incluem o direito à liberdade e autonomia e o exercício responsável da sexualidade”. Torna-se evidente que a questão da liberdade de orientação sexual constitui um tema polêmico e, por vezes, considerado marginal pela academia e demais instituições que, inclusive, se reivindicam como defensoras dos direitos humanos. A liberdade de orientação sexual é compreendida como “a identidade atribuída a alguém em função da direção de seu desejo e/ou condutas afetivo-sexuais8, seja para outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade)” (Rios, 2002:19).

Nesse sentido, trata-se de compreender o direito à liberdade de orientação sexual como um construto histórico-social e ideológico que assume um sentido estratégico para a compreensão da individualidade humana, na construção de uma sociabilidade humanista não alienada e alienante das capacidades e potencialidades emancipatórias, à medida que a “individualidade emerge, é significada e se torna consciente na relação com o outro, na dinâmica do trabalho social (...)” (Palangana,1998:19).

A liberdade de orientação sexual não é uma bandeira de frente do movimento feminista, mas ao defender a efetivação de uma outra sociabilidade não tutelada sob o capital a vivência e expressão da livre orientação sexual constitui uma questão a ser problematizada, enfrentada e incorporada na sua ação política. Afinal, a luta pela equidade de gênero se mediatiza através mulheres brancas, negras, heterossexuais, bissexuais e lésbicas que trazem como marca de sua singularidade questões de ordem étnico-racial, de gênero e de orientação sexual.

O movimento feminista possui um projeto ético-político cujo horizonte é a construção de uma sociabilidade humanista. No entanto, imerso na sociabilidade sob o capital a tendência predominante é a tensão entre a reprodução de valores e desvalores. A existência do projeto por si não viabiliza uma sociabilidade humanista. Há que se aliar condições objetivas favoráveis, práxis política e projeto. É admissível afirmar ainda que o movimento é tensionado a desenvolver sua práxis política embalada por contradições e ambigüidades.

Os movimentos sociais (MS) se organizam em torno de interesses e necessidades coletivas e o Movimento Feminista tem se reivindicado na sua práxis social e política cotidiana enquanto um sujeito político que ensaia uma nova sociabilidade. Apesar da hegemonia do capital, a realidade social tem demonstrado formas coletivas de resistência.

O Movimento Feminista constitui um Movimento que na atualidade propõe lutas no campo específico – luta pela descriminalização e legalização do aborto, mas aponta para horizontes além quando faz uma crítica contudente à sociabilidade capitalista e nesses termos, soma esforços com outros sujeitos coletivos, a exemplo do MST, no campo das esquerdas.

Em meio às contradições e ambigüidades do universo da dominação ideológica-cultural é que se põem as condições sócio-históricas de possibilidade para a constituição de uma nova forma de sociabilidade. Para a efetivação do projeto de transformação que o movimento se refere na perspectiva de uma sociabilidade humanista e radicalmente democrática é necessária a incorporação da liberdade de orientação sexual como condição de respeito às diferentes individualidades presentes no feminismo.

O debate em torno da liberdade de orientação sexual precisa ser incorporado pelos diferentes movimentos sociais, pelas profissões, pelo Estado, pela sociedade em geral e não apenas por àquelas/es que vivenciam as conseqüências da homofobia diretamente. Torna-se premente sensibilizar parlamentares para instituir, por exemplo, uma lei contra a discriminação e preconceito aos segmentos LGBT’s, instituindo a homofobia como crime, a exemplo da Lei Caó (nº 7.716 de 05/01/1989) que instituiu o racismo como crime inafiançável. Não é demais lembrar que as leis, por si, tornam-se insuficientes e nesse sentido os movimentos e organizações que atuam na luta pelos direitos humanos, pela livre orientação afetivo-sexual cumprem um papel fundamental no controle social. Nesse sentido, buscando superar o discurso politicamente correto de que “é preciso respeitar as diferenças“, há que se incluir efetivamente nas agendas dos gestores públicos, na perspectiva de construção de uma democracia radical, o tema da liberdade afetivo-sexual das mulheres, no sentido de garantir-lhes o real exercício da cidadania afetivo-sexual.

Nesse sentido, é preciso ultrapassar a compreensão da sexualidade como possuidora apenas de uma dimensão privada. Para as mulheres, como nos lembra Betânia Ávila9 inspirada em Arendt, “a esfera privada foi sempre o lugar da privação e não o espaço da privacidade ou da intimidade” (2001:21). Na verdade, torna-se necessária a compreensão da sexualidade como possuidora de uma dupla dimensão: privada e pública. A dimensão privada onde cada uma/um é que sabe como sente e quer expressar seu desejo... A dimensão pública que, em se tratando do Brasil, estado laico signatário de inúmeros tratados internacionais, a exemplo das Convenções de Cairo e Beijing, tem a obrigação de garantir e efetivar as diferentes expressões afetivo-sexuais como direitos humanos. Nesse sentido, a orientação afetivo-sexual de lésbicas é uma dimensão da existência humana e não pode permanecer ocupando o lugar da invisibilidade, pois se não há políticas públicas, não há direitos, não há exercício efetivo de cidadania. E desse modo, o direito de liberdade afetivo-sexual de mulheres que amam mulheres só acontece pela metade...


BIBLIOGRAFIA
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SOARES, Gilberta Santos. Direitos Sexuais como Direitos Humanos: um convite à reflexão. IN IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.


1 Texto apresentado no XI Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), em Fortaleza/CE, no período de 17 a 22 de outubro de 2004. O tema central do CBAS foi “O Serviço Social e a esfera pública no Brasil: o desafio de construir, afirmar e consolidar direitos”. Este artigo foi apresentado na Sessão Temática intitulada “Questões de gênero, etnia, raça e sexualidade”.
2 Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela UFPE em 2001. Lésbica e feminista. Coordenadora Geral do DIVAS – Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual. Militante da Liga Brasileira de Lésbicas.
3 Grifo meu
4 Casamento gay. Matéria de Capa da Revista Super Interessante. Edição 202 – julho 2004.
5 A este respeito Cf.: Petchesky (1999) e Gonçalves (2001).
6 O tema foi debatido na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena, 1993; Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) realizado no Cairo, em 1994 e IV Conferência Mundial da Mulher em Beijjing, em 1995 . Vale destacar que “antes de 1992, nenhuma declaração elaborada nas conferências sobre mulheres se refere à sexualidade da mulher, muito menos aos seus direitos sexuais (...) na maior parte dos discursos sobre direitos humanos, a vida sexual é aceita apenas de modo implícito e, mesmo assim, confinada às fronteiras da reprodução e do casamento heterossexual” . (Petchesky, 1999:18).
7 A este respeito Cf parágrafo 96 da Plataforma de Ação de Beijing (ONU,1996).
8 Grifo meu.
9 Textos e imagens do feminismo: mulheres construindo a igualdade. Maria Betânia Ávila... [et al]. Recife:SOS Corpo, 2001.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Movimento de Mulheres Lésbicas: Identidade política como negação da heterossexualidade compulsória1

Marylucia Mesquita2

Pensar a lesbianidade como expressão da sexualidade humana supõe visualizá-la a partir de um tratamento político. O que, em meu ponto de vista, significa, compreender a sexualidade imersa no contexto das relações sociais e, portanto, sob uma dupla dimensão: privada e pública. Pressupõe compreendê-la construída através da interação entre o indivíduo e as estruturas sociais, portanto, pensar em sexualidades, no plural, como diversidade sexual, rompendo com uma referência social da heterossexualidade como norma.

A expressão das sexualidades está inscrita numa sociabilidade determinada historicamente. E nesse caso, estamos tratando da sociabilidade sob o capital que em si representa uma forma limitada e restritiva da vida social, à medida que mercantiliza e coisifica relações sociais. Compartilho com Santos (2003) do entendimento de que as questões relacionadas com a sexualidade humana não se constituem expressões periféricas da vida social, mas que representam uma dimensão indispensável das relações humanas e do desenvolvimento das individualidades e potencialidades humanas. Nesse sentido, compreender a sexualidade humana como dimensão da individualidade não significa pensá-la a partir de uma referência essencialista, inerente ao sujeito singular que vive ilhado, desconectado das relações sociais. Ao contrário disso, o processo de individuação é uma construção social que traduz o modo como mulheres e homens produzem seus meios de vida e desfrutam da riqueza socialmente produzida.

Nesse sentido, inscritos na sociabilidade sob o capital, marcada por profundos antagonismos e contradições, os movimentos sociais surgem num cenário de escassez, miséria, fome e/ou de múltiplas formas de opressão, visando a luta por direitos. Compreender o conteúdo teórico-político que preside a concepção dos movimentos sociais na contemporaneidade pressupõe sinalizar que o termo incorpora sentidos e intenções diversos, historicamente, determinados.

Para Scherer-Warren (1987:12), a gênese do termo movimento social “surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840, quando este defende a necessidade de uma ciência da sociedade que se dedicasse ao estudo dos movimentos sociais, tais como do movimento proletário francês e do comunismo e socialismo emergentes.” Desde então, multiplicaram-se os estudos3 e as vertentes explicativas sobre a emergência dos movimentos em determinadas conjunturas.

Ao se interrogar sobre as condições que favorecem a organização dos movimentos sociais, Scherer-Warren (1993) remete à existência de pré-requisitos para a formação de um movimento social. Reconhece, entretanto, que diferentes autores fazem referência às dificuldades de ordenar, do ponto de vista teórico, os elementos que definem um movimento social. Existe “um vazio teórico na América Latina, na medida em que se chama de movimento social qualquer conduta coletiva empiricamente observável, sem tomar em conta a centralidade do ator, o alcance de suas lutas, os condicionamentos de sua ação, a consciência, a ideologia, o projeto social e político que envolve sua ação” (Cifuentes apud Scherer-Warren,1993:18).

A autora admite três aspectos centrais na formação do movimento: (a) o reconhecimento coletivo de um direito e a formação de identidades; (b) o desenvolvimento de uma sociabilidade política; (c) a construção de um projeto de transformação (Scherer-Warren,1993:71/72). Considerando os limites objetivos deste projeto de tese, trato, de forma muito breve, sobre cada um desses pré-requisitos.

a) O reconhecimento coletivo de um direito e a formação de identidades
As lutas sociais não podem ser deduzidas mecanicamente das condições objetivas. O processo de organização coletiva não se desenvolve exclusivamente porque os indivíduos vivenciam uma situação de carência ou de opressão. A carência ou a opressão é uma questão objetiva, mas como chegar ao momento de lutar pelo que falta? Para Jacobi (1989:16), a emergência das reivindicações está indiscutivelmente associada à agudização de uma carência que provoca uma fragilização sistemática das condições de vida num determinado momento e para determinados atores sociais. Neste contexto, a passagem do reconhecimento da carência para a formulação da reivindicação4 é medida pela afirmação de um direito, que começa a ser construído por novas representações.

Pode-se afirmar que o reconhecimento coletivo de um direito acontece quando os indivíduos possuem uma base material comum de vivência ou de identificação com uma determinada situação de carência ou opressão. Ao mesmo tempo, na esfera da individualidade, o fator subjetivo entra em ação, à medida que o sujeito equaciona suas condições objetivas, direcionando suas ações para o campo da luta coletiva ou, de outro modo, para o conformismo. Em que consiste este fator subjetivo? Scherer-Warren explica este fator subjetivo no reconhecimento da dignidade humana. Do meu ponto de vista, o fator subjetivo envolve além do reconhecimento da dignidade humana, o processo de formação da consciência. Segundo Ianni (1987:24), “as modalidades da consciência e as condições de existência social não se exprimem nem se relacionam de modo harmônico. Tanto as pessoas como os grupos e as classes sociais apreendem as suas relações sociais reais de maneira diversa e antagônica, quando não de forma incompleta, parcial, invertida ou fetichizada.”

Desse modo, que o trânsito entre as condições de existência negadora de um modo de vida digno e a luta por direitos que possibilitem melhores condições objetivas se faz mediante um complexo de mediações, uma vez que as relações de dominação não se expressam de forma ordenada, completa e transparente na prática e na consciência dos indivíduos. Exatamente por isso, é preciso apreender quais determinações no plano da sociabilidade são favoráveis ou desfavoráveis ao reconhecimento real das condições de existência e do encontro/desencontro dos indivíduos e de uns com os outros na dinâmica da vida social. Para Mellucci (1989), as noções de reconhecimento e confronto são fundamentais na construção da identidade. Aqui, a construção da identidade assume papel de destaque. Mesmo que inscritos numa mesma sociedade, partilhando de uma mesma definição daquilo que é necessário, o modo como se organizam e reivindicam os movimentos sociais
“depende de uma constelação de significados que orientam suas ações”. Assim, depende, em primeiro lugar, do significado daquilo que define um determinado grupo enquanto grupo, quer dizer, sua identidade. Não se trata de alguma suposta identidade essencial, inerente ao grupo e preexistente às suas práticas, mas sim da identidade derivada da posição que assume. (...) Depende, em seguida, do modo como se articulam objetivos ´práticos´ a valores que dão sentido à existência do grupo em questão (...) Depende finalmente – e talvez sobretudo – das experiências vividas e que ficaram plasmadas em certas representações que aí emergiram e se tornaram formas de o grupo se identificar, reconhecer seus objetivos, seus inimigos, o mundo que o envolve (Sader, 1988:43-44).

Sader(1988), adverte, ainda, para a importância de se considerar no entendimento dos movimentos sociais a articulação entre as necessidades objetivas com as mediações simbólicas. A dominação constitui uma das dominações simbólicas. Sobre a dominação simbólica, Bourdie adverte que “quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação, ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento5 são, inevitavelmente, atos de reconhecimento6, de submissão”(2002:22).

b) O desenvolvimento de uma sociabilidade política:
A discussão em torno da sociabilidade remete para dois planos: o da sociabilidade mais ampla, produto da formação capitalista em que “a maior parte dos problemas tende a ser equacionada a partir do princípio da mercantilização universal das relações, pessoas e coisas” (Ianni, 1987:25) e o plano da sociabilidade política que envolve o conjunto de instituições e práticas que influenciam no campo da formação dos indivíduos, grupos e movimentos sociais, ora fortalecendo seu processo de reação frente à dominação, ora conformando-os à realidade tal como se apresenta.

Sobre o desenvolvimento da sociabilidade política, Scherer-Warren (1993:71) afirma que “sem sociabilidade política não há movimento social nem projeto coletivo em torno do qual lutar.” Para Grybowski (1987:59), “enquanto espaços de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores e aos sujeitos políticos7, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração de uma identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais”. Outro aspecto que merece destaque, no plano do desenvolvimento da sociabilidade política, refere-se ao conjunto de instituições e práticas sociais que interferem tanto na formação individual dos(as) participantes de um determinado movimento social como no processo de constituição da dimensão política dos movimentos sociais. Isso porque a dimensão política dos movimentos sociais se gesta também no processo de articulação que estes desenvolvem, de forma direta ou indireta, com instituições (Estado, Igreja, Partidos Políticos, ONG’S etc. e com as práticas sociais (profissionais e militantes etc). Na literatura sobre os movimentos sociais, a presença das instituições e práticas sociais junto aos movimentos foi comumente tematizada sob a perspectiva dos agentes externos. Trata-se, pois, de admitir que não só os indivíduos, mas também, os grupos e os movimentos sociais não se formam apenas de modo espontâneo. Sob esse aspecto, o processo de socialização abre um amplo leque de possibilidades, envolvendo reprodução de dominação, preconceitos, ao tempo em que permite, também, novas descobertas, contatos e aprendizagens. Tal processo não ocorre à toa, ao contrário, tem explícita direção ético-política, ordenada através da elaboração de um projeto ético-político.

c) A construção de um projeto de transformação:
Segundo Netto (1999:93), “a ação humana, seja individual, seja coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, implica sempre um projeto, que é poucas palavras, uma antecipação ideal da finalidade que se quer alcançar, com a invocação dos valores que a legitimam e a escolha dos meios para atingi-la”. Nesse horizonte, a formação de um movimento social implica a existência de um projeto ético-político. No caso dos movimentos sociais pela livre orientação sexual podemos afirmar, tomando emprestado as reflexões de Scherer-Warren (1993:72) que: “este projeto está sendo construído em torno de duas perspectivas: uma é o objetivo específico em torno do qual se trava a luta ( por ex.: o exercício da sexualidade sem interdições8). Se o movimento social limita-se a isto, tende a terminar uma vez atingido o objetivo. A outra perspectiva é a utopia de construção de uma nova sociedade, a qual é concebida como um processo em que novas relações comunitárias e societárias vão sendo constituídas”.

Pensar o Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil pressupõe considerar a multiplicidade de expressões deste movimento seja através de grupos, ativistas que atuam em partidos políticos, sindicatos, articulações nacionais e ativistas independentes. Minha referência será a Liga Brasileira de Lésbicas.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo trazer algumas indicações às seguintes questões: Quais as formas de organização presente no Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil? Quais as estratégias de enfrentamento da lesbofobia/homofobia? Qual é o campo de relações dos grupos de lésbicas? Partidos Políticos, parlamento, mercado, outros movimentos sociais? Quais? Em que rede de relações está envolvido o Movimento de Lésbicas no Brasil? Quais as tensões, ambigüidades, convergências e divergências na sua práxis política?

Feminismo e lesbianidade: possibilidades e limites
O feminismo, como movimento social com pensamento crítico e prática política dedicou-se à contestação do modelo patriarcal de organização da sociedade que historicamente relegou as mulheres à condição de subalternidade na esfera privada e na esfera pública. Com o slogan “o pessoal é político”, o feminismo, principalmente a partir dos idos dos anos 1960, questionou a relação entre público e privado, indagando que, para as mulheres, a vivência no espaço doméstico não significava, na maior parte das vezes, o exercício da intimidade, mas a privação de direitos. É neste aspecto que o movimento feminista faz uma convocação para que as mulheres rompam com as relações de dominação e subordinação a que estiveram submetidas. A transformação nas relações de gênero, a liberdade e a autodeterminação das mulheres seriam, então, condições para que elas se reconhecessem como sujeitos políticos.

Para além do chamamento da população feminina ao exercício da sua autonomia, o feminismo as desafiava a ocupar espaços públicos para, também por meio do discurso e da intervenção política, definitivamente “inscrever as mulheres na história” (SCOTT, 1995:73). Com o slogan “nosso corpo nos pertence”, o feminismo dizia para a sociedade que as mulheres não mais iriam admitir que sua vida e sua sexualidade fossem controladas ou interditadas pelo Estado ou pela Igreja. É neste momento que suas militantes queimam sutiãs, exigem a legalização do aborto e o fim da violência sexista tanto no âmbito privado quanto na esfera pública. Nasce um movimento que viria a lutar pelo reconhecimento de uma “identidade feminina”, como colabora Hall:
O feminismo questionou a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e o “público”. O slogan do feminismo era: “O pessoal é político”. Ele abriu, portanto, para a contestação política, arenas inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças etc. Ele também enfatizou, como questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados [sic]. Isto é, ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas) (HALL, 1997: 49).

Se os direitos reprodutivos e os direitos sexuais estiveram entre os principais motes do movimento como forma de exercício da sexualidade sem tabus, normas ou opressões, também se faz necessário salientar que as reivindicações não incorporavam a diversidade de expressões das mulheres que o constituíam desde sua gênese.

Mesmo tendo considerado a sexualidade e a liberdade sexual como princípios de luta, no feminismo, a discussão esteve articulada, predominantemente, ao campo das demandas/necessidades reprodutivas, à vivência heterossexual. O que reflete, de certo modo, o modelo sexual socialmente reconhecido e legitimado como dominante. Isso talvez explique o quanto, segundo Ávila (2001), no início dos anos 1980, era comum a preocupação de feministas em enfatizar a identidade não necessariamente lésbica. Argumentavam que não se tratava de se considerar a lesbianidade um problema, mas faziam questão de demarcar a não generalização. Sob vários ângulos se pode compreender o “excesso” de cuidados por parte de algumas feministas a este respeito, mas compartilho do entendimento de Ávila quando afirma que “isso acabava criando apenas uma explicação social, sem o enfrentamento adequado desse ‘estigma’ e do que ele representa para a sociedade (...) Além de não enfrentar a questão lésbica, penso que o sujeito político feminista não tem ainda um discurso de defesa do lesbianismo. Existe até uma fala positiva em relação à questão da homossexualidade masculina, mas não do lesbianismo” (2001:07/08).

Nessa mesma linha de raciocínio, Charlotte Bunch (1996) destaca uma possível contradição no interior do movimento feminista: ao tempo que advoga por uma agenda de libertação da heterossexualidade compulsória de base patriarcal e contribui para elaborações conceituais e políticas que impulsionam o erotismo entre mulheres, também termina por deixar escapar resquícios lesbofóbicos quando se identifica os grandes obstáculos que tiveram e ainda têm as mulheres lésbicas em garantir suas reivindicações nos encontros internacionais.

Cumpre ao movimento garantir a radicalidade que o constitui, relacionando os princípios de autodeterminação, autonomia e controle sobre o próprio corpo ao debate em torno da diversidade sexual. Trata-se de “desenvolver uma teoria específica e radical para a sexualidade se quisermos conquistar direitos sexuais amplos, visto que a sexualidade tem suas próprias regulações e hierarquias” (Gonçalves, 2002:87). Afinal, se num dado momento histórico foi necessário separar opressão de classe e opressão de gênero para compreender as particularidades das violações cotidianas vividas pelo segmento feminino, há que se reconhecer que apesar de ser o conceito de gênero a categoria de análise fundante do feminismo que tem contribuído para políticas mais igualitárias, tal categoria em si torna-se insuficiente para explicar as desigualdades que geram a opressão sexual. Afinal, “supor automaticamente que o feminismo se converte em teoria da opressão sexual é não distinguir entre gênero e desejo erótico (...). É absolutamente essencial analisar separadamente gênero e sexualidade, se desejar refletir com maior fidelidade suas existências sociais distintas” (Rubin IN Gonçalves, 2002:87).

No entanto, em meio aos tensionamentos presentes na relação entre lésbicas e feministas é no interior do movimento feminista que há um maior acolhimento das lésbicas, incentivando-as ao seu processo de auto-organização. Apesar de não ter incorporado a lesbianidade como bandeira de luta como o fez com a questão do aborto o movimento feminista contribuiu para que mulheres lésbicas feministas pudessem se auto-organizar. Algumas terminaram por se distanciar do movimento feminista e depois retornaram para provocá-lo quanto a sua radicalidade e insubordinação à cultura patriarcal. Tiveram a exata compreensão de se fortalecerem e de reconhecerem no processo de auto-organização, tendo o exercício da fala pública como um instrumento fundamental para romper com o discurso da heteronormatividade. Daí que merece destaque como estratégia de enfrentamento a lesbofobia social e institucional o processo de auto-organização do movimento de mulheres lésbicas.

Outra questão refere-se ao distanciamento entre a luta de mulheres lésbicas e de homens gays, apesar de ambos compartilharem a opressão exercida pela homo/lesbofobia e questionarem a família heterossexual e patriarcal, há no seu interior, uma significativa parcela de seus líderes que reproduzem, predominantemente, práticas patriarcais, machistas e misóginas. Neste sentido, é fundamental resgatar a contribuição de Ávila sobre a reprodução do modelo patriarcal em nossa sociedade:
É necessário, também, desmitificar a visão sobre o patriarcado, muitas vezes tomado como algo ancestral e perdido no tempo, uma memória quase lendária, ou como algo que se exerce da mesma maneira, perenemente, a despeito dos contextos sociais e históricos. Portanto, ahistóricos [sic] [...]. Reconhecer a existência desse sistema de dominação, e fazer conhecer os mecanismos de sua reprodução em qualquer medida que isso ainda aconteça é uma importante contribuição do feminismo para a democratização da vida social. Não levar em conta a questão do patriarcado coloca, por outro lado, um limite na concepção e nas estratégias de luta por igualdade (ÁVILA, 2001:32-33).

Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil e a constituição da Liga Brasileira de Lésbicas como sujeito político.
Se nos anos de 19709 e 1980 as militantes lésbicas feministas enfrentaram as contradições existentes dentro do feminismo e o machismo do movimento gay para iniciar sua auto-organização em busca da constituição como sujeito político, a década de 1990 é marcada pelo ativismo das mulheres lésbicas organizadas em grupos ou de modo independente em fóruns, redes, articulações, sindicatos e partidos políticos. O momento é radicalizar a politização da sexualidade, de afirmação da lesbianidade como identidade política. É notória, neste caso, a articulação entre a prática política das lésbicas organizadas com o pensamento de Ávila:

(...) A conquista dos direitos exige um sujeito que anuncie seu projeto e tenha ação na esfera política, participando, assim, do conflito, que deve ser inerente à democracia e instituindo, como parte desse conflito, a luta contra as desigualdades a que estão sujeitas (ÁVILA, 2000: 7-8).

Dessa forma, os grupos de lésbicas vão se multiplicando e, aos poucos, conquistando maior visibilidade em todo o país. Um momento significativo para a organização lésbica brasileira foi a construção do Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE). O SENALE enquanto espaço construído por e para lésbicas visa dar visibilidade e fortalecer a organização das lésbicas no Brasil, debatendo temas de interesse como sexualidade, saúde, gênero, combate à violência, diversidade, entre outros.

O SENALE surgiu da necessidade de se ter um espaço, no Brasil, onde a questão específica das lésbicas pudesse ser discutida de uma forma mais ampla e democrática, já que nos encontros mistos esse espaço era e continua sendo insuficiente. A semente dessa luta política foi plantada em 1996, pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro – COLERJ e pelo Centro de Documentação e Informação Coisa de Mulher (RJ). Estas entidades realizaram, naquele ano, na cidade do Rio de Janeiro, o I SENALE , entre 29 de agosto a 01 de setembro, com participação de aproximadamente 100 lésbicas do Brasil, com o tema central: “Saúde, visibilidade e Organização”. Neste SENALE foi escolhido o 29 de agosto – como Dia Nacional pela Visibilidade Lésbica. A data adveio da necessidade coletiva de visibilizar um segmento que, historicamente, ocupou o espaço da clandestinidade. O amadurecimento político dos grupos de lésbicas e ativistas autônomas tanto durante os SENALE’s, como nas ações desencadeadas nos estados através da realização de debates, grupos de reflexão, seminários, encontros, atividades culturais, ações de rua como as caminhadas e a participação nas Paradas do Orgulho LGBTT, dentre outros contribuiu para que durante o III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em janeiro de 2003, em meio à realização do Planeta Arco-Íris, em uma Oficina de Visibilidade Lésbica (que contou com a participação de dezenas de mulheres lésbicas e bissexuais de vários estados do Brasil e com a presença de ativistas e não ativistas de outros países) fosse construída a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL).

A LBL, enquanto instância de empoderamento e mobilização nacional e internacional das lésbicas foi criada por mulheres lésbicas, ou seja, por mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com mulheres e que ousaram e ousam politizar a sexualidade, combatendo a heteronormatividade. Ou seja, mulheres que trazem a público a lesbianidade como uma das formas de orientação e expressão sexual e como identidade política.

Durante o V SENALE, que aconteceu em junho de 2003, em São Paulo, foram realizadas várias reuniões e uma plenária da LBL. Neste momento foram construídas diretrizes para carta de princípios e escolhida uma coordenação executiva provisória. No XIV Encontro Nacional Feminista, realizado no período de 13 a 16/11/2003, em Porto Alegre, a LBL realizou uma plenária que definiu sua primeira coordenação. Atualmente, a LBL está organizada11 em quatro regiões do Brasil: nordeste, sul, sudeste e centro-oeste e congrega além de organizações, entre as formadas só por mulheres e as mistas, com núcleos de lésbicas, um número significativo de ativistas autônomas (não vinculadas a grupos lésbicos). No período de 5 a 7 de novembro de 2004 foi realizado o “I Encontro Nacional da Liga Brasileira de Lésbicas: Coletivizando idéias e horizontalizando ações”. Esse evento contou com a participação de 61 inscritas, entre lésbicas organizadas em grupos e autônomas. O encontro possibilitou discussões enriquecedoras para o processo de amadurecimento político do movimento. As discussões privilegiaram uma retrospectiva histórica da LBL, o lugar do sujeito político movimento de mulheres lésbicas e sua relação com outros sujeitos e a discussão em torno da carta de princípios que constitui um primeiro instrumento de sistematização de seu projeto ídeo-ético-político.

Nessa perspectiva, a LBL12 é uma expressão do movimento social, que se constitui como espaço autônomo e não institucional de articulação política, anti-racista, não lesbofóbica e não homofóbica, de articulação temática de lésbicas e bissexuais, pela garantia efetiva e cotidiana da livre orientação e expressão afetivo-sexual. É um movimento que se soma a todos os movimentos sociais que lutam pela construção de uma sociabilidade anti-capitalista. A Liga Brasileira de Lésbicas não pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação de grupos, entidades, pessoas e movimentos que dela participam.

Nesse sentido, a LBL13 enquanto instância autônoma de articulação política e temática das mulheres lésbicas e bissexuais pretende contribuir com o fortalecimento do movimento pela luta dos direitos das mulheres lésbicas e bissexuais, em nível local, regional, nacional e internacional. Entre os princípios construídos coletivamente, vale destacar: (1) a autonomia, a autodeterminação e a liberdade como princípios fundamentais para o exercício da sexualidade sem coerção; (2) a democracia como exercício permanente e cotidiano; (3) a horizontalidade no sentido de evitar hierarquias de poder; (4) a defesa da laicidade do Estado; (5) a solidariedade com o conjunto dos movimentos sociais; (6) a defesa do feminismo e de suas bandeiras; (7) a luta contra o patriarcado e todas as formas de fundamentalismos; (8) uma posição anti-capitalista.

Como objetivos, a LBL tem buscado implementar através de suas militantes: (1) Fortalecer o empoderamento das mulheres lésbicas e bissexuais; (2) Incentivar que lésbicas da LBL estejam em espaços de formulação, deliberação e controle de políticas públicas; (3) Contribuir para o fortalecimento do movimento de lésbicas no Brasil. (4) Promover e difundir uma cultura afirmativa da lesbianidade e da bissexualidade como expressões da sexualidade humana e, portanto, como direitos humanos. (5) Articular-se com setores da sociedade civil organizada, desde que não firam os princípios da carta de princípios; (6) Promover ações que combatam a violência contra e entre lésbicas e bissexuais; (7) Criar espaços de discussão sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos das lésbicas e bissexuais. (8) Respeitar as decisões resultados de construção coletiva através de assembléias, plenárias e reuniões em todas as instâncias; (9) Construção e realização do VI SENALE (2006); (10) Contribuir para formação política feminista, merecendo destaque a importância dos princípios da autonomia, autodeterminação e ruptura com o patriarcado e suas expressões como o machismo e o sexismo; (11) Contribuir para fortalecer o movimento de mulheres lésbicas como sujeito político. O que significa que a visibilidade como lésbica não é só para demarcar a orientação sexual, o desejo afetivo-sexual por mulheres, mas também um posicionamento político da defesa pela livre orientação sexual sem policiamento das práticas afetivo-sexuais. A posição política como lésbica constitui uma estratégia de enfrentamento da heteronormatividade; (12) Combater cotidianamente a lesbofobia e a homofobia; (13) Combater a violência de gênero, sexista e doméstica, reconhecendo estas formas de violência como violações aos direitos humanos das mulheres. As expressões desta violência tanto na relação entre mulheres e homens como entre mulheres. (14) Contribuir para erradicar “cultura do individualismo e do personalismo” como elementos perversos de ações políticas, cuja finalidade não é o interesse público; (15) Contribuir para disseminação da informação de forma pública através da lista nacional da LBL e através dos momentos presenciais.

Liga Brasileira de Lésbicas: ação política ao longo de três anos...
A constituição, consolidação e o fortalecimento do movimento de mulheres lésbicas como sujeito político, portanto, a defesa da visibilidade lésbica como ação política constitui um questionamento ao patriarcado. A afirmação da lesbianidade constitui uma identidade política.

Nesse sentido, partilho do entendimento de Ochy Curiel quando afirma “sou feminista e o feminismo é concebido para mim como pensamento teórico-crítico e prática política, uma forma de construir o mundo, desconstruindo o patriarcado que se fundamenta no sexismo, na exploração econômica, na heterossexualidade obrigatória, no racismo, na lesbofobia/homofobia e na xenofobia como sistemas articulados que afetam fundamentalmente as mulheres. Por tanto, partilhando ainda do entendimento de Ochy, a lesbianidade que a LBL vem afirmando é feminista e como identidade política se refere a uma posição estratégica que questiona uma das instituições na qual se sustenta o patriarcado: a heterossexualidade como norma, de onde se concebe a reprodução e a maternidade como destino e não como escolha das mulheres e que o objeto de desejo das mulheres são, restritamente, os homens. Pensar ainda sobre a construção das identidades significa reconhecer que tal construção se dá pela vivência da opressão, da partilha de necessidades em comum. Trata-se de uma experiência subjetiva e intersubjetiva, portanto, a construção da identidade é necessariamente individual e coletiva.

Entre as ações que a LBL vem implementado, ao longo de seus 3 anos, através de suas militantes estão: (1) Ampliação de lésbicas participantes da LBL; (2) Amadurecimento político e incorporação da participação das bissexuais na LBL; (3) Parceria com organizações lésbicas como o Coturno de Vênus/DF; (4) Articulação e parceria com a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS), através do GT Hilda Hilst na construção dos “Diálogos Estratégicos” realizados em Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Paraíba; (5) Articulação com RFS em torno da pauta da legalização e descriminalização do aborto; (6) Participação e construção das Paradas das Diversidades nos vários estados do país; (7) Construção e participação das Caminhadas Lésbicas em São Paulo, Florianópolis/SC, Porto Alegre/ RS, Recife/PE, Belo Horizonte/MG, dentre outras; (8) Participação das agendas locais de combate à violência contra a mulher nos vários estados do país; (9)Participação em audiência, em Brasília, em 29/08/2005, com a ministra Nilcéia Freire para construção de agenda de reivindicações do movimento de lésbicas e incidência política junto às demais Secretarias e Ministérios do Governo Federal quanto à incorporação da defesa e garantia dos direitos das lésbicas nas diferentes áreas (saúde, educação, segurança, direitos humanos, dentre outras); (10) Garantia de assento em espaços de controle social em nível nacional e municipal: Conselho Nacional de Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Porto Alegre, Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Recife; (11) Garantia de posicionamento crítico frente à violência entre lésbicas a exemplo da Carta de Repúdio que se encontra como anexo ao Relatório do Encontro Regional realizado em Natal/RN; (12) Participação com incidência política na construção de diretrizes para políticas públicas voltadas para lésbicas na I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (I CNPM), em Brasília, no ano de 2004; (13) Participação na Comissão Organizadora do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, em São Paulo (Serra Negra) no período de 9 a 12 de Outubro de 2005; (14) Participação de uma militante lésbica feminista como debatedora nos Diálogos Complexos “Feminismo e lesbianidade: sexualidades e democracia” durante o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho; (15) Participação de militantes da LBL na construção do “VI SENALE: Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”; (16) Participação de uma militante com uma das expositoras na mesa central do VI SENALE, intitulada “Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”; (17) Participação de um significativo número de militantes da LBL, de vários estados do país, no VI SENALE; (18) Participação da Parada LGBT de SP de 2005 com fala pública; (19) Realização de falas públicas e entrevistas como LBL em vários espaços de atuação e de mídia; (20) Parceira com o Conjunto CFESS (Conselho Federal de Serviço Social) e CRESS (Conselho regional de Serviço Social) na “Campanha Nacional pela Livre Orientação e Expressão Sexual “O Amor fala todas as línguas – Assistente Social na luta contra o preconceito”; (21) Participação com incidência política na construção de diretrizes para políticas públicas voltadas para lésbicas na 3ª Conferência Municipal da Mulher “Fortalecendo as Políticas Públicas de Igualdade e Controle Social” (Recife/2006); (22) Realização de inúmeras atividades da visibilidade lésbica promovidas pelos grupos, em todo o Brasil, em torno do 29 de agosto – Dia Nacional de Visibilidade Lésbica, como debates, oficinas, seminários, mostras de arte, dentre outros; (23) Ampliação da parceria e enfrentamento dos tensionamentos com o movimento feminista, pois a exemplo das mulheres negras que vêm, ao longo de mais de uma década, fazendo incidência política no sentido de que o racismo seja incorporado à agenda política do movimento feminista, as lésbicas feministas estão provocando o feminismo para desconstruir a invisibilidade lésbica e enfrentar a lesbofobia, presente não apenas na sociedade em geral, mas dentro do próprio movimento.

Alguns desafios para o Movimento de Lésbicas Brasileiro
Para o enfrentamento da heterossexualidade compulsória um primeiro desafio é contribuir para o empoderamento do maior número de lésbicas no sentido do fortalecimento de sua auto-estima como mulher lésbica e cidadã. Isso significa a luta permanente perante a sociedade e o Estado pelo reconhecimento do direito à cidade, à coisa pública. A invisibilidade é uma violência simbólica praticada cotidianamente contra as mulheres lésbicas. Trata-se da negação do direito de existir.

As lésbicas organizadas também querem romper com a cultura de sua denominação de movimento como “minorias sexuais”, que representa um recurso ideológico que, ao contrário de visibilizar o movimento pela livre orientação e expressão sexual termina por fragilizá-lo politicamente. Dessa forma, faz-se necessário, cada vez mais, a ampliação do debate e das ações públicas em torno da politização da sexualidade, no sentido de romper com a heteronormatividade e com a lógica patriarcal que ainda impregna a cultura, apesar de todos os avanços e conquistas do movimento de mulheres e feminista.

Outro desafio que se apresenta ao movimento é a eterna vigilância para não cair nas armadilhas conservadoras e fundamentalistas da explicação binária da sexualidade. Isso significa garantir a identidade política do sujeito movimento de mulheres lésbicas, mas sem aprisionar o desejo, não fixá-lo em uma única direção. Mais uma questão fundamental para o movimento em sua afirmação como sujeito político é a problematização constante da práxis política. Têm sido recorrente, entre os debates das lésbicas organizadas junto à LBL, por exemplo, questões sobre como lidar com o poder, problemantizando, ainda, em qual medida ele pode fortalecer ou fragilizar o movimento.

E, como uma das maiores representações do enfrentamento deste debate no âmbito do movimento de mulheres lésbicas vale registrar que o VI SENALE, como os demais SENALE´s, constituiu um momento efetivo de empoderamento das mulheres lésbicas, incorporando à agenda política do movimento social de lésbicas alguns desafios: (1) o empoderamento, tema central do encontro, tratou da questão do lugar de sujeito político do movimento social de mulheres lésbicas no Brasil, refletindo o poder e a democracia. Trouxe pela primeira vez o diálogo crítico baseado no respeito às diferenças, entre as duas principais articulações nacionais de lésbicas: Liga Brasileira de Lésbicas e Articulação Brasileira de Lésbicas. E ainda, o diálogo entre estas articulações nacionais com a militância do movimento conhecido autônomo; (2) a incorporação, a partir da demanda do movimento de lésbicas negras, de que o tema “Racismo, Discriminação Racial e Lesbianidade” deixasse de ocupar apenas o lugar de oficinas/grupos de trabalho para ser uma das mesas centrais do SENALE; (3) a pauta da relação movimento social de mulheres lésbicas com outros sujeitos políticos, como transexuais, prostitutas, pessoas com deficiência e gays também constituiu mesa central pela primeira vez. Particularmente, o debate entre lesbianidade e transexualidade apontou a necessidade do movimento, ou melhor, das várias tendências presentes no movimento social de lésbicas brasileiro, continuarem um debate que no, VI SENALE, apenas começou. (4) a preocupação pioneira em sistematizar a memória e a história dos SENALE´s de forma mais pública ao trazer à tona, em forma de publicação, o que foi conquistado em cada Seminário Nacional de Lésbica; (5) Uma das estratégias que se destacou durante o seminário foi o controle social. O VI SENALE pautou o tema do controle social numa mesa central, e garantiu pela primeira vez, que o tema fosse refletido na plenária final, onde foram definidas as atribuições, os critérios e os perfis de ativistas que deverão compor os diferentes Conselhos, representando as lésbicas, bem como foram definidos os nomes das ativistas lésbicas que foram democraticamente votados e legitimados para representação nos espaços de controle social.

O resultado do SENALE é fruto da maturidade e organização do movimento social de lésbicas do Brasil, e sem dúvida de muita coragem e ousadia em visibilizar essa história.

Sobre o reconhecimento coletivo de um direito, observamos que há uma agenda comum entre os movimentos LGBTT e o feminista: a luta pela garantia dos direitos sexuais como direitos humanos, o que significa a luta contra a heterossexualidade como norma, pela livre orientação e expressão sexual. Notamos que a luta pela garantia de políticas públicas, por legislações anti-discriminatórias, não reguladoras dos prazeres e corpos, quer por questões relativas à livre orientação e expressão sexual, quer pelo direito das mulheres de decidirem sobre a interrupção da gravidez também aproxima tais movimentos.

Contudo, o reconhecimento coletivo deste direito aponta para a constituição de diferentes identidades políticas: lésbicas, feministas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. Uma questão importante no que se refere à constituição das identidades é a referência de uma identidade não-fixa, de caráter não essencialista. O que significa reconhecer a livre orientação sexual não como fim em si mesmo, como algo pronto, acabado e sem mutações. A afirmação do sujeito político lésbica, gay, bissexuais, travesti e transgênero não significa a regulação ou a prática policialesca quanto a sua prática sexual. Significa o reconhecimento que todo e qualquer movimento necessita de sujeitos políticos. É assim com o movimento feminista, com o movimento negro, dentre outros.

A construção dessas identidades, por vezes, atravessa cisões e nos coloca dilemas e tensões nestes diálogos. Por exemplo, a luta contra a mercantilização do corpo das mulheres, ou seja, da exposição das mulheres como objetos sexuais constitui um tema polêmico na agenda do movimento feminista, assim como o movimento de lésbicas precisa enfrentar de forma mais radical a violência sexista e de gênero entre lésbicas. O movimento gay necessita enfrentar o machismo e a misoginia ainda presente em boa parte de suas lideranças.

Acredito que seja possível e fundamental articular as diferentes frentes de batalha em função de uma finalidade maior, em torno de um projeto radical de sociedade com capacidade de abrigar as lutas gerais, sem excluir nenhuma particularidade. Isso exige solidariedade. Pensar diálogos entre movimentos de emancipação significa também compreender que nenhum movimento deva considerar sua pauta mais importante ou mais significativa (árdua), secundarizando a de outro.

Para construção de uma Agenda Política Nacional, tais movimentos precisam identificar de que forma estão lidando com o exercício do poder. Se numa perspectiva que contribua, efetivamente, para libertação de mulheres e homens e não para reproduzir as antigas opressões que criticamos na família, no Estado, nas religiões, na escola, na sociedade em geral. É preciso reconhecer que as diferenças não podem se traduzir em muralhas para o diálogo. Quando os sujeitos coletivos não se colocam de forma mais qualificada e solidária, fragmentam-se as lutas, enfraquecem o poder de pressão.

No âmbito da construção de um projeto de transformação social, se faz necessário, ainda, que o movimento LGBTT e o movimento feminista revejam suas bases de radicalidade. A luta por demandas imediatas como a garantia de direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais ainda é insuficiente e não pode ser o único fim de tais movimentos, uma vez que estamos frente à sociabilidade sob o capital.

Responder às demandas de garantia sexual e reprodutiva como direitos humanos para lésbicas, gays, mulheres, travestis, transgêneros, negras(os) - sujeitos invisibilizados permanentemente é fundamental, mas não basta!! Faz-se necessário que tais movimentos possam reoxigenar seu horizonte societário. Isso tem a ver com o fim do patriarcado, da homofobia, da lesbofobia, do racismo, do sexismo, de todas as formas de fundamentalismos, mas tem a ver também com o posicionamento crítico frente às desigualdades sociais, à naturalização da sociabilidade do capital como único horizonte possível. Sob a sociabilidade do capital algumas das conquistas do movimento lésbico, bem como dos movimentos gay e feminista, em sua trajetória de se contrapor à heterossexualidade compulsória, se tornam insuficientes, pois que estão aprisionadas à lógica mercantil, em que o ter se sobrepõe ao ser. A construção de um outro mundo é possível, urgente e necessária, mas, também exige que o movimento lésbico, juntamente com outros movimentos sociais, possa contribuir cotidianamente para a construção de uma sociedade sem exploração e opressão. Uma sociedade de mulheres e homens verdadeiramente livres e emancipados (as).

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BIBLIOGRAFIA
ÁVILA, Maria Betânia. Os Direitos Sexuais devem ser uma pauta constante do feminismo IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.
BUNCH, Charlotte. IN ROSENBLOOM, Rachel. Unspoken rules. S.l., s.ed., 1996.
GONÇALVES, Eliane. Você é fóbico? Uma conversa sobre democracia sexual IN IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.
GONÇALVES, Eliane.Gozar o direito de gozar: sobre a pauta dos direitos sexuais como direitos humanos das mulheres IN AGENDE (Ações em Gênero, cidadania e desenvolvimento) – Curso Nacional de Advocacy Feminista em Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos/Marlene Libardoni (coord.) – Brasília: AGENDE, 2002.
MESQUITA, Marylucia. Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil: Sinalizando algumas conquistas e desafios para o século XXI. Texto publicado na Revista Lábia do Galf – Grupo de Activistas Lesbianas Feministas. Tercera época. Nº 18, Lima, diciembre, 2004. site: www.galf.org
NEPEDH. Direitos Humanos: Bandeira Cotidiana da Luta dos Movimentos Sociais pela Afirmação dos Direitos e da Diversidade IN Temporalis. ABPSS. Ano 3, nº 5. Brasília: ABEPSS, 2002
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RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito brasileiro. IN Homossexualidade, cultura e política. Célio Golin e Luis Weiler (org.). Porto Alegre: Sulina, 2002.
SOARES, Gilberta Santos. Direitos Sexuais como Direitos Humanos: um convite à reflexão. IN IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.

Notas

1 Artigo apresentado durante o XIII ENCONTRO DA REDE FEMINISTA NORTE E NORDESTE DE ESTUDOS SOBRE A MULHER E RELAÇÕES DE GÊNERO – REDOR, em Recife/PE, 2006.
2 Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela UFPE (2001); Co-fundadora, Coordenadora Geral, Educadora e Pesquisadora do DIVAS – Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual; Militante da Liga Brasileira de Lésbicas e do Fórum de Mulheres de Pernambuco; Pesquisadora e bolsista do 12º Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva coordenado pelo MUSA/ISC/UFBa e NEPO/Unicamp; Turma 2005-2006.
3 Cf. Castells (1983); Jacobi(1989); Doimo (1995), dentre outros.
4 Grifo meu.
5 Grifo do autor.
6 Grifo do autor.
7 Grifo meu.
8 Grifo meu.
9 Como é de conhecimento público o processo de politização da sexualidade, no Brasil, ocorre no final dos anos 1970, no período de abertura política, onde gays e lésbicas se organizam no primeiro grupo de afirmação homossexual do país, o Somos em São Paulo. A organização lésbica marca os idos dos anos 1979, quando lésbicas, predominantemente feministas, começam a sentir necessidade de desenvolver a formação de um subgrupo que agregou várias denominações: facção lésbica-feminista, subgrupo lésbico-feminista, ação lésbica-feminista. Em maio de 1980, constitui-se como primeiro grupo só de lésbicas, denominado Grupo Lésbico-Feminista, ou simplesmente – LF. Na verdade, a constituição do LF foi uma resposta ao machismo e ao patriarcado presentes no movimento gay.
10 De 1996 a 2003 foram realizados cinco Seminários Nacionais de Lésbicas. No encerramento do V Seminário, em São Paulo, a plenária aprovou que o VI SENALE seria realizado em João Pessoa, na Paraíba, em setembro de 2005. No entanto, o local precisou ser revisto, devido a dificuldades da Comissão Organizadora da Paraíba. O VI SENALE ocorreu no período de 18 a 21 de maio de 2006, ano em que completam 10 anos de realização dos SENALE´s no Brasil. O temário central do VI SENALE foi “Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”. Contou com a participação de 246 mulheres, entre lésbicas, bissexuais e heterossexuais de todos os estados do Brasil.
11 Atualmente, a LBL possui uma coordenação colegiada nacional composta coordenações colegiadas regionais. E-mail: ligabrasileiradelesbicas@uol.com.br
12 O conteúdo aqui exposto sobre a LBL foi uma compilação do sistematizado nas Cartas de Princípios das Regiões Sul, Nordeste e de São Paulo, apresentadas no I Encontro da LBL (novembro/2004).
13 Idem.

Liga Brasileira de Lésbicas: sujeito político construindo história

Marylucia Mesquita

(...) A conquista dos direitos exige um sujeito que anuncie seu projeto e tenha ação na esfera política, participando, assim, do conflito, que deve ser inerente à democracia e instituindo, como parte desse conflito, a luta contra as desigualdades a que estão sujeitas (ÁVILA, 2000: 7-8).

A constituição, consolidação e o fortalecimento do movimento de mulheres lésbicas como sujeito político, portanto, a defesa da visibilidade lésbica como ação política constitui um questionamento ao patriarcado. A afirmação da lesbianidade constitui uma identidade política.

Partilho do entendimento de Ochy Curiel que, ao se reconhecer como feminista compreende o feminismo como pensamento teórico-crítico e prática política, como forma de construir o mundo, desconstruindo o patriarcado que se fundamenta no sexismo, na exploração econômica, na heterossexualidade obrigatória, no racismo, na lesbofobia/homofobia/transfobia e na xenofobia como sistemas articulados que afetam fundamentalmente as mulheres. É com esse entendimento que, para a LBL, a defesa da livre expressão da lesbianidade é afirmada como identidade política e se refere a uma posição estratégica que questiona uma das instituições na qual se sustenta o patriarcado: a heterossexualidade como norma, de onde se concebe a reprodução e a maternidade como destino e não como escolha das mulheres e que restringe o desejo das mulheres aos homens. Pensar ainda sobre a construção das identidades significa reconhecer que tal construção se dá pela vivência da opressão, da partilha de necessidades em comum. Trata-se de uma experiência subjetiva e intersubjetiva, portanto, a construção da identidade é necessariamente individual e coletiva.

A LBL foi criada em janeiro de 2003, durante uma o III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em meio à realização do Planeta Arco-Íris, em uma Oficina de Visibilidade Lésbica (que contou com a participação de dezenas de mulheres lésbicas e bissexuais de vários estados do Brasil e com a presença de ativistas e não ativistas de outros países). A LBL, enquanto instância de empoderamento e mobilização nacional e internacional das lésbicas foi criada por mulheres lésbicas, ou seja, por mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com mulheres e que ousaram e ousam politizar a sexualidade, combatendo a heteronormatividade. Ou seja, mulheres que trazem a público a lesbianidade como uma das formas de orientação e expressão sexual e como identidade política.

A LBL é uma expressão do movimento social, que se constitui como espaço autônomo e não institucional de articulação política, anti-racista, não lesbofóbica e não homofóbica, de articulação temática de lésbicas e bissexuais, pela garantia efetiva e cotidiana da livre orientação e expressão afetivo-sexual. É um movimento que se soma a todos os movimentos sociais que lutam pela construção de uma sociabilidade anti-capitalista. A Liga Brasileira de Lésbicas não pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação de grupos, entidades, pessoas e movimentos que dela participam. (Carta de Princípios da LBL)

Nesse sentido, a LBL enquanto instância autônoma de articulação política e temática das mulheres lésbicas e bissexuais pretende contribuir com o fortalecimento do movimento pela luta dos direitos das mulheres lésbicas e bissexuais, em nível local, regional, nacional e internacional, bem como lutar contra a lesbofobia/homofobia/transfobia/racismo/sexismo – expressões do patriarcado. Entre os princípios construídos coletivamente, vale destacar: (1) a autonomia, a autodeterminação e a liberdade como princípios fundamentais para o exercício da sexualidade sem coerção; (2) a democracia como exercício permanente e cotidiano; (3) a horizontalidade no sentido de evitar hierarquias de poder; (4) a defesa da laicidade do Estado; (5) a solidariedade com o conjunto dos movimentos sociais; (6) a defesa do feminismo e de suas bandeiras; (7) a luta contra o patriarcado e todas as formas de fundamentalismos; (8) uma posição anti-capitalista.

Atualmente, a LBL possui uma comissão articuladora nacional, comissões articuladoras regionais e articuladoras estaduais. Está representada em quatro regiões do Brasil: nordeste, sul, sudeste e centro-oeste e congrega além de organizações/grupos, entre as formadas só por mulheres e as mistas, com núcleos de lésbicas, um número significativo de ativistas autônomas (não vinculadas a grupos lésbicos).

Alguns desafios para o Movimento de Lésbicas Brasileiro
Para o enfrentamento da heterossexualidade compulsória um primeiro desafio é contribuir para o empoderamento do maior número de lésbicas no sentido do fortalecimento de sua auto-estima como mulher lésbica e cidadã. Isso significa a luta permanente perante a sociedade e o Estado pelo reconhecimento do direito à cidade, à coisa pública. A invisibilidade é uma violência simbólica praticada cotidianamente contra as mulheres lésbicas. Trata-se da negação do direito de existir.

As lésbicas organizadas também querem romper com a cultura de sua denominação de movimento como “minorias sexuais”, que representa um recurso ideológico que, ao contrário de visibilizar o movimento pela livre orientação e expressão sexual termina por fragilizá-lo politicamente. Dessa forma, faz-se necessário, cada vez mais, a ampliação do debate e das ações públicas em torno da politização da sexualidade, no sentido de romper com a heteronormatividade e com a lógica patriarcal que ainda impregna a cultura, apesar de todos os avanços e conquistas do movimento de mulheres e feminista.

Outro desafio que se apresenta ao movimento é a eterna vigilância para não cair nas armadilhas conservadoras e fundamentalistas da explicação binária da sexualidade. Isso significa garantir a identidade política do sujeito movimento de mulheres lésbicas, mas sem aprisionar o desejo, não fixá-lo em uma única direção. Mais uma questão fundamental para o movimento em sua afirmação como sujeito político é a problematização constante da práxis política. Têm sido recorrente, entre os debates das lésbicas organizadas junto à LBL, por exemplo, questões sobre como lidar com o poder, problemantizando, ainda, em qual medida ele pode fortalecer ou fragilizar o movimento.

E, como uma das maiores representações do enfrentamento deste debate no âmbito do movimento de mulheres lésbicas vale registrar que o VI SENALE, como os demais SENALE´s, constituiu um momento efetivo de empoderamento das mulheres lésbicas, incorporando à agenda política do movimento social de lésbicas alguns desafios como: (1) o empoderamento, tema central do encontro, tratou da questão do lugar de sujeito político do movimento social de mulheres lésbicas no Brasil, refletindo o poder e a democracia. Trouxe pela primeira vez o diálogo crítico baseado no respeito às diferenças, entre as duas principais articulações nacionais de lésbicas: Liga Brasileira de Lésbicas e Articulação Brasileira de Lésbicas. E ainda, o diálogo entre estas articulações nacionais com a militância do movimento conhecido autônomo; (2) a incorporação, a partir da demanda do movimento de lésbicas negras, de que o tema “Racismo, Discriminação Racial e Lesbianidade” deixasse de ocupar apenas o lugar de oficinas/grupos de trabalho para ser uma das mesas centrais do SENALE; (3) a pauta da relação movimento social de mulheres lésbicas com outros sujeitos políticos, como transexuais, prostitutas, pessoas com deficiência e gays também constituiu mesa central pela primeira vez. Particularmente, o debate entre lesbianidade e transexualidade apontou a necessidade do movimento, ou melhor, das várias tendências presentes no movimento social de lésbicas brasileiro, continuarem um debate que no, VI SENALE, apenas começou. (4) a preocupação pioneira em sistematizar a memória e a história dos SENALE´s de forma mais pública ao trazer à tona, em forma de publicação, o que foi conquistado em cada Seminário Nacional de Lésbica; (5) Uma das estratégias que se destacou durante o seminário foi o controle social. O VI SENALE pautou o tema do controle social numa mesa central, e garantiu pela primeira vez, que o tema fosse refletido na plenária final, onde foram definidas as atribuições, os critérios e os perfis de ativistas que deverão compor os diferentes Conselhos, representando as lésbicas, bem como foram definidos os nomes das ativistas lésbicas que foram democraticamente votados e legitimados para representação nos espaços de controle social.

O resultado do SENALE é fruto da maturidade e organização do movimento social de lésbicas do Brasil, e sem dúvida de muita coragem e ousadia em visibilizar essa história.

O movimento LGBTT como outros movimentos sociais se organizam em função da vivência de opressões em comum. No caso do movimento LGBTT a opressão vivenciada é homofobia/lesbofobia/transfobia que naturaliza e banaliza a heterossexualidade como norma. Compreendo que há uma agenda comum entre os movimentos LGBTT e o feminista: a luta pela garantia dos direitos sexuais como direitos humanos, o que significa a luta contra a heterossexualidade como norma, pela livre orientação e expressão sexual. Notamos que a luta pela garantia de políticas públicas, por legislações anti-discriminatórias, não reguladoras dos prazeres e corpos, quer por questões relativas à livre orientação e expressão sexual, quer pelo direito das mulheres de decidirem sobre a interrupção da gravidez também aproxima tais movimentos.

Contudo, o reconhecimento coletivo deste direito aponta para a constituição de diferentes identidades políticas: lésbicas, feministas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. Uma questão importante no que se refere à constituição das identidades é a referência de uma identidade não-fixa, de caráter não essencialista. O que significa reconhecer a livre orientação sexual não como fim em si mesmo, como algo pronto, acabado e sem mutações. A afirmação do sujeito político lésbica, gay, bissexuais, travesti e transgênero não significa a regulação ou a prática policialesca quanto a sua prática sexual. Significa o reconhecimento que todo e qualquer movimento necessita de sujeitos políticos. É assim com o movimento feminista, com o movimento negro, dentre outros.

A construção dessas identidades, por vezes, atravessa cisões e nos coloca dilemas e tensões nestes diálogos. Por exemplo, a luta contra a mercantilização do corpo das mulheres, ou seja, da exposição das mulheres como objetos sexuais constitui um tema polêmico na agenda do movimento feminista, assim como o movimento de lésbicas precisa enfrentar de forma mais radical a violência sexista e de gênero entre lésbicas. O movimento gay necessita enfrentar o machismo e a misoginia ainda presente em boa parte de suas lideranças.

Acredito que seja possível e fundamental articular as diferentes frentes de batalha em função de uma finalidade maior, em torno de um projeto radical de sociedade com capacidade de abrigar as lutas gerais, sem excluir nenhuma particularidade. Isso exige solidariedade. Pensar diálogos entre movimentos de emancipação significa também compreender que nenhum movimento deva considerar sua pauta mais importante ou mais significativa (árdua), secundarizando a de outro.

Para construção de uma Agenda Política Nacional, tais movimentos precisam identificar de que forma estão lidando com o exercício do poder. Se numa perspectiva que contribua, efetivamente, para libertação de mulheres e homens e não para reproduzir as antigas opressões que criticamos na família, no Estado, nas religiões, na escola, na sociedade em geral. É preciso reconhecer que as diferenças não podem se traduzir em muralhas para o diálogo. Quando os sujeitos coletivos não se colocam de forma mais qualificada e solidária, fragmentam-se as lutas, enfraquecem o poder de pressão.

No âmbito da construção de um projeto de transformação social, se faz necessário, ainda, que o movimento LGBTT e o movimento feminista revejam suas bases de radicalidade. A luta por demandas imediatas como a garantia de direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais ainda é insuficiente e não pode ser o único fim de tais movimentos, uma vez que estamos frente à sociabilidade sob o capital.

Responder às demandas de garantia sexual e reprodutiva como direitos humanos para lésbicas, gays, mulheres, travestis, transgêneros, negras(os) - sujeitos invisibilizados permanentemente é fundamental, mas não basta!! Faz-se necessário que tais movimentos possam reoxigenar seu horizonte societário. Isso tem a ver com o fim do patriarcado, da homofobia, da lesbofobia, do racismo, do sexismo, de todas as formas de fundamentalismos, mas tem a ver também com o posicionamento crítico frente às desigualdades sociais, à naturalização da sociabilidade do capital como único horizonte possível. Sob a sociabilidade do capital algumas das conquistas do movimento lésbico, bem como dos movimentos gay e feminista, em sua trajetória de se contrapor à heterossexualidade compulsória, se tornam insuficientes, pois que estão aprisionadas à lógica mercantil, em que o ter se sobrepõe ao ser. A construção de um outro mundo é possível, urgente e necessária, mas, também exige que o movimento lésbico, juntamente com outros movimentos sociais, possa contribuir cotidianamente para a construção de uma sociedade sem exploração e opressão. Uma sociedade de mulheres e homens verdadeiramente livres e emancipados (as).

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Notas

1 As reflexões aqui apresentadas encontram-se no artigo apresentado no XIII Encontro da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos sobre a Mulher e Relações de Gênero – Redor (Recife/2006) e publicado com o tema “Movimento de Mulheres Lésbicas: Identidade política como negação da heterossexualidade compulsória” de minha autoria. Junho/2008

2 Marylucia Mesquita é Assistente Social. Militante da Liga Brasileira de Lésbicas e co-fundadora do DIVAS – Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual. E-mail: marymesquita@gmail.com