sábado, 31 de janeiro de 2009

Entrevista sobre livre orientação sexual

Entrevista publicada no site www.todaformadeamor.com.br.

A assistente social e lésbica Marylucia Mesquita fala sobre livre orientação sexual.

Ser mulher e ser lésbica ainda é uma missão que encontra obstáculos num país marcado pelo machismo e pelo preconceito. A Assistente Social e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marylucia Mesquita não só sabe lidar com essa realidade, como também se tornou um exemplo na luta pela igualdade das mulheres e principalmente das lésbicas. Ela é a Coordenadora Executiva do DIVAS, o Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual e como incansável pesquisadora faz parte do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE/UFPE). O trabalho no DIVAS já lhe rendeu um marco: ter realizado um protesto reunindo gays e lésbicas em Olinda com o primeiro "beijaço" a acontecer em Pernambuco. Ativista da Liga Brasileira de Lésbicas, do Fórum de Mulheres de Pernambuco e do Fórum de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros de Pernambuco ela conta, nesta entrevista, como é o desafio do sexo considerado frágil, mas que no fundo é uma fortaleza.

TODA FORMA DE AMOR - Quando você passou a ser militante da causa e motivada pelo que ?
MARYLUCIA MESQUITA - Passei a ser militante desde os idos dos anos 1990, quando cursava Serviço Social, na Universidade Estadual do Ceará e, juntamente com mais duas amigas facilitávamos oficinas sobre sexualidade numa perspectiva da NÃO reprodução da heterossexualidade compulsória. Na época ainda não me publicizava como lésbica. Essa identidade política tomei a decisão de incorporar à minha vida a partir da minha inserção no movimento feminista, mais precisamente no Fórum de Mulheres de Pernambuco, a partir de novembro de 2002. Todas as lutas por direitos necessitam e exigem sujeitos políticos, com o movimento de mulheres lésbicas não pode ser diferente! Esta é uma motivação. Outra, que se vincula a esta é considerar que NÃO EXISTE outra alternativa para a garantia do respeito à diversidade sexual senão quando o maior número e, um dia, espero, a totalidade de gays e lésbicas puderem ser cidadãos/cidadãs "por inteiro e não pela metade" como quaisquer outros(as), ou seja, poderem transitar livremente no espaço público sem precisar, tanto na vida pública e, muitas vezes, também, na vida privada (família e amigos(as)) viverem duas vidas.

TODA FORMA DE AMOR - A mulher e em especial a lésbica tem o que comemorar no seu dia?
MARYLUCIA MESQUITA - Veja, o 8 de março tem um significado político para marcar uma homenagem às mulheres operárias têxteis que durante o 8/03 de 1857, trabalhavam em uma fábrica em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e entraram em greve, reivindicando melhores condições de trabalho (equiparação ao salário dos homens e redução da jornada de trabalho). A fábrica foi incendiada, e cerca de 129 mulheres morreram queimadas. O 8 de março - Dia Internacional da Mulher - tem um significado político porque marca a resistência das mulheres às múltiplas opressões e explorações que sofrem no dia-a-dia. A data vem como referência, inicialmente, às operárias que foram incendiadas, mas se estende a tantas outras que ousaram e ousam, enfrentar, cotidianamente, as múltiplas opressões cotidianas. No entanto, é necessário visibilizar que, nós, as mulheres, somos diversas: brancas, negras, índias, deficientes, magras, gordas, trabalhadoras, desempregadas, mães, filhas, jovens, velhas, de baixa estatura e alta estatura, deusas e bruxas, heterossexuais, bissexuais e lésbicas... E, em meio a esta diversidade, quero chamar atenção à singularidade da mulher lésbica. Será que temos o que comemorar? Acredito que sim e que não! Que sim porque como as demais mulheres essa data marca politicamente a nossa resistência, luta e conquistas frente aos inúmeros desafios. Para lésbicas que optaram em publicizar sua orientação sexual e arcar com as inúmeras conseqüências, predominantemente negativas, dessa decisão, é momento de revitalizar as energias e buscar coragem e formação permanente, tomando como inspiração as trajetórias de Safo, de Felipa de Sousa e, outras que ficaram no anonimato...
Para lésbicas que ainda não estão fortalecidas o suficiente e ainda vivem “duas vidas” pode ser um momento de refletir mais criticamente sobre o que está faltando para virar pelo avesso e romper com a histórica submissão e invisibilidade. E quando afirmo que não é momento para se comemorar, mas sim, momento para se refletir crítica e politicamente porque ainda não rompemos plenamente com a invisibilidade obrigatória que fomos submetidas e que se reflete, no dia-a-dia, em violência física, sexual e em violência simbólica e psicológica, quando somos expulsas de nossas famílias porque não admitem uma filha lésbica ("melhor que fosse ladra"); quando perdemos a guarda de nossos(as) filhos(as) porque somos consideradas "incapazes" por ter uma orientação sexual não heterossexual; porque somos violentadas sexualmente por homens que não aceitam que podemos sentir prazer e sermos felizes amando outra mulher e não um homem; quando somos perseguidas em nossos trabalhos devido a nossa orientação sexual. Aqui nossa competência é colocada em xeque. Quando não existimos para as estatísticas; quando a Delegacia da Mulher não está preparada para atender mulheres lésbicas vítimas de violência de mulheres ou de homens; quando o amor que sentimos é considerado ainda, em pleno século XXI, como doença, pecado ou safadeza... Há muito para se conquistar...

TODA FORMA DE AMOR - As lésbicas têm maior aceitação por parte da sociedade? A novela Senhora do Destino mostrou isso?
MARYLUCIA MESQUITA - Primeiro, não queremos ser aceitas/ toleradas. Queremos ser respeitadas!!! E isso faz uma grande diferença. Segundo, acredito que se realmente se tratasse de respeito não seríamos estereotipadas como assexuadas, sem desejo e erotismo como aparece em todas as novelas que tratam do tema, inclusive, em Senhora do Destino, apesar de avanços de outra ordem, como pautar a união civil, o direito à adoção por um casal de lésbicas; a vivência como lésbicas frente às famílias, amigos(as) etc. Mas, mesmo em relação a estes é tudo muito implícito. Diferente de todos os casais heterossexuais que têm uma relação afetivo-sexual.

TODA FORMA DE AMOR - É mais fácil para a lésbica se impor numa sociedade que ainda não se livrou do machismo ?
MARYLUCIA MESQUITA - Claro que não!!! Uma sociedade fundada no patriarcado, onde o machismo é uma expressão, torna-se muito difícil e desafiante, cotidianamente, nós, lésbicas, podermos publizar nossa orientação sexual. No entanto, e contraditoriamente, cabe a nós, enquanto movimento de mulheres lésbicas, juntamente com o movimento de gays e movimento feminista e outros que queiram se somar contribuir para que a sociedade reveja seus desvalores, seus tabus e seus modelos autoritários de felicidade...

TODA FORMA DE AMOR - Na relação heterossexual a mulher é verdadeira, ela é emoção, muitas vezes enfrentando a falta de caráter dos homens. Na relação lésbica existe esse lado ?
MARYLUCIA MESQUITA - Veja, considero a relação lésbica com as dores e delícias da relação heterossexual. Somos seres humanos, imperfeitos(as), com contradições, buscando a felicidade. Não acredito que a relação entre pessoas do mesmo sexo se constitua uma relação, por princípio, alternativa. Tudo vai depender das pessoas concretas envolvidas, suas histórias de vida, suas oportunidades, seus valores, suas formas de ver e encarar o mundo etc.

TODA FORMA DE AMOR - Está a frente de uma entidade de defesa dos direitos da diversidade exige o que ?
MARYLUCIA MESQUITA - Coragem, determinação, simplicidade e competência técnica-ética-política-teórica e metodológica e compromisso com a construção de uma sociedade de mulheres e homens livres, o que exige a articulação com outros movimentos sociais e entidades de mulheres, gays, feministas, negros(as), de direitos humanos etc. Exige ainda disponibilidade de tempo para dar conta de frentes que se desdobram, bem como da criação de alternativas frente à omissão do poder público. O que não significa colocar-se em seu lugar, mas de ir abrindo caminhos... Exige ter fortaleza subjetiva para enfrentar a violência simbólica e psicológica que se dissemina pela mídia, pelas religiões, pelas práticas fundamentalistas que querem negar o direito de existir, amar e ser feliz. Exige indignação permanente para não sucumbir aos inúmeros obstáculos do dia-a-dia. Exige compreender que a nossa luta por direitos sexuais não pode ser desarticulada com a luta por uma outra sociabilidade que não seja esta dominada pelo capital, onde vale o ter e não o ser, onde somos mercadoria e não sujeitos. Temos que cotidianamente assumir uma postura crítica e propositiva para a construção de uma sociabilidade emancipada de mulheres e homens plenamente livres.

TODA FORMA DE AMOR - O que é imprescindível conquistar de imediato para o avanço das conquistas dos homossexuais?
MARYLUCIA MESQUITA - 1- efetiva responsabilização do poder público frente às omissões nas legislações;
2 - criminalizar a homofobia e a lesbofobia através de lei, a exemplo da Lei Caó que instituiu o racismo como crime;
3 - fiscalização e punição frente às práticas de homofobia e lesbofobia;
4- capacitar a rede pública e privada educacional para que incorpore a livre orientação sexual como tema transversal;
5 - campanhas educativas que sensibilizem a sociedade para o respeito à diversidade, seja de cunho étnico-racial, por orientação sexual, dentre outros;
6- Eliminar todos os programas televisivos, radialísticos que violam a dignidade de mulheres lésbicas e homens gays;
7 - mais lésbicas e gays que se disponibilizem a somar conosco na luta cotidiana por direitos;
8 - ampliar o número de lésbicas e gays conscientes de seus direitos e que podemos conquistar muito mais através da organização coletiva como fizeram outros movimentos (negros(as), feministas, DH etc.);
9 - denúncias em caso de discriminação por orientação sexual;
10 - maior articulação entre os movimentos gay, de lésbicas, feministas, de DH, de negros(as);
11- No caso específico de Pernambuco, a criação de legislação estadual contra discriminação por orientação sexual por estabelecimentos comerciais e públicos.
12 - cumprimento das conferências e diretrizes internacionais em que o Brasil é signatário;
13- Retirada de Severino Cavalcanti da Câmara Federal pois que representa o que há de mais atrasado e conservador frente aos direitos e lutas dos movimentos de mulheres, feministas, de gays e lésbicas, de direitos humanos etc.

(da Redação do Toda Forma de Amor)

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