sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Movimento de Mulheres Lésbicas: Identidade política como negação da heterossexualidade compulsória1

Marylucia Mesquita2

Pensar a lesbianidade como expressão da sexualidade humana supõe visualizá-la a partir de um tratamento político. O que, em meu ponto de vista, significa, compreender a sexualidade imersa no contexto das relações sociais e, portanto, sob uma dupla dimensão: privada e pública. Pressupõe compreendê-la construída através da interação entre o indivíduo e as estruturas sociais, portanto, pensar em sexualidades, no plural, como diversidade sexual, rompendo com uma referência social da heterossexualidade como norma.

A expressão das sexualidades está inscrita numa sociabilidade determinada historicamente. E nesse caso, estamos tratando da sociabilidade sob o capital que em si representa uma forma limitada e restritiva da vida social, à medida que mercantiliza e coisifica relações sociais. Compartilho com Santos (2003) do entendimento de que as questões relacionadas com a sexualidade humana não se constituem expressões periféricas da vida social, mas que representam uma dimensão indispensável das relações humanas e do desenvolvimento das individualidades e potencialidades humanas. Nesse sentido, compreender a sexualidade humana como dimensão da individualidade não significa pensá-la a partir de uma referência essencialista, inerente ao sujeito singular que vive ilhado, desconectado das relações sociais. Ao contrário disso, o processo de individuação é uma construção social que traduz o modo como mulheres e homens produzem seus meios de vida e desfrutam da riqueza socialmente produzida.

Nesse sentido, inscritos na sociabilidade sob o capital, marcada por profundos antagonismos e contradições, os movimentos sociais surgem num cenário de escassez, miséria, fome e/ou de múltiplas formas de opressão, visando a luta por direitos. Compreender o conteúdo teórico-político que preside a concepção dos movimentos sociais na contemporaneidade pressupõe sinalizar que o termo incorpora sentidos e intenções diversos, historicamente, determinados.

Para Scherer-Warren (1987:12), a gênese do termo movimento social “surgiu com Lorenz Von Stein, por volta de 1840, quando este defende a necessidade de uma ciência da sociedade que se dedicasse ao estudo dos movimentos sociais, tais como do movimento proletário francês e do comunismo e socialismo emergentes.” Desde então, multiplicaram-se os estudos3 e as vertentes explicativas sobre a emergência dos movimentos em determinadas conjunturas.

Ao se interrogar sobre as condições que favorecem a organização dos movimentos sociais, Scherer-Warren (1993) remete à existência de pré-requisitos para a formação de um movimento social. Reconhece, entretanto, que diferentes autores fazem referência às dificuldades de ordenar, do ponto de vista teórico, os elementos que definem um movimento social. Existe “um vazio teórico na América Latina, na medida em que se chama de movimento social qualquer conduta coletiva empiricamente observável, sem tomar em conta a centralidade do ator, o alcance de suas lutas, os condicionamentos de sua ação, a consciência, a ideologia, o projeto social e político que envolve sua ação” (Cifuentes apud Scherer-Warren,1993:18).

A autora admite três aspectos centrais na formação do movimento: (a) o reconhecimento coletivo de um direito e a formação de identidades; (b) o desenvolvimento de uma sociabilidade política; (c) a construção de um projeto de transformação (Scherer-Warren,1993:71/72). Considerando os limites objetivos deste projeto de tese, trato, de forma muito breve, sobre cada um desses pré-requisitos.

a) O reconhecimento coletivo de um direito e a formação de identidades
As lutas sociais não podem ser deduzidas mecanicamente das condições objetivas. O processo de organização coletiva não se desenvolve exclusivamente porque os indivíduos vivenciam uma situação de carência ou de opressão. A carência ou a opressão é uma questão objetiva, mas como chegar ao momento de lutar pelo que falta? Para Jacobi (1989:16), a emergência das reivindicações está indiscutivelmente associada à agudização de uma carência que provoca uma fragilização sistemática das condições de vida num determinado momento e para determinados atores sociais. Neste contexto, a passagem do reconhecimento da carência para a formulação da reivindicação4 é medida pela afirmação de um direito, que começa a ser construído por novas representações.

Pode-se afirmar que o reconhecimento coletivo de um direito acontece quando os indivíduos possuem uma base material comum de vivência ou de identificação com uma determinada situação de carência ou opressão. Ao mesmo tempo, na esfera da individualidade, o fator subjetivo entra em ação, à medida que o sujeito equaciona suas condições objetivas, direcionando suas ações para o campo da luta coletiva ou, de outro modo, para o conformismo. Em que consiste este fator subjetivo? Scherer-Warren explica este fator subjetivo no reconhecimento da dignidade humana. Do meu ponto de vista, o fator subjetivo envolve além do reconhecimento da dignidade humana, o processo de formação da consciência. Segundo Ianni (1987:24), “as modalidades da consciência e as condições de existência social não se exprimem nem se relacionam de modo harmônico. Tanto as pessoas como os grupos e as classes sociais apreendem as suas relações sociais reais de maneira diversa e antagônica, quando não de forma incompleta, parcial, invertida ou fetichizada.”

Desse modo, que o trânsito entre as condições de existência negadora de um modo de vida digno e a luta por direitos que possibilitem melhores condições objetivas se faz mediante um complexo de mediações, uma vez que as relações de dominação não se expressam de forma ordenada, completa e transparente na prática e na consciência dos indivíduos. Exatamente por isso, é preciso apreender quais determinações no plano da sociabilidade são favoráveis ou desfavoráveis ao reconhecimento real das condições de existência e do encontro/desencontro dos indivíduos e de uns com os outros na dinâmica da vida social. Para Mellucci (1989), as noções de reconhecimento e confronto são fundamentais na construção da identidade. Aqui, a construção da identidade assume papel de destaque. Mesmo que inscritos numa mesma sociedade, partilhando de uma mesma definição daquilo que é necessário, o modo como se organizam e reivindicam os movimentos sociais
“depende de uma constelação de significados que orientam suas ações”. Assim, depende, em primeiro lugar, do significado daquilo que define um determinado grupo enquanto grupo, quer dizer, sua identidade. Não se trata de alguma suposta identidade essencial, inerente ao grupo e preexistente às suas práticas, mas sim da identidade derivada da posição que assume. (...) Depende, em seguida, do modo como se articulam objetivos ´práticos´ a valores que dão sentido à existência do grupo em questão (...) Depende finalmente – e talvez sobretudo – das experiências vividas e que ficaram plasmadas em certas representações que aí emergiram e se tornaram formas de o grupo se identificar, reconhecer seus objetivos, seus inimigos, o mundo que o envolve (Sader, 1988:43-44).

Sader(1988), adverte, ainda, para a importância de se considerar no entendimento dos movimentos sociais a articulação entre as necessidades objetivas com as mediações simbólicas. A dominação constitui uma das dominações simbólicas. Sobre a dominação simbólica, Bourdie adverte que “quando os dominados aplicam àquilo que os domina esquemas que são produto da dominação, ou, em outros termos, quando seus pensamentos e suas percepções estão estruturados de conformidade com as estruturas mesmas da relação da dominação que lhes é imposta, seus atos de conhecimento5 são, inevitavelmente, atos de reconhecimento6, de submissão”(2002:22).

b) O desenvolvimento de uma sociabilidade política:
A discussão em torno da sociabilidade remete para dois planos: o da sociabilidade mais ampla, produto da formação capitalista em que “a maior parte dos problemas tende a ser equacionada a partir do princípio da mercantilização universal das relações, pessoas e coisas” (Ianni, 1987:25) e o plano da sociabilidade política que envolve o conjunto de instituições e práticas que influenciam no campo da formação dos indivíduos, grupos e movimentos sociais, ora fortalecendo seu processo de reação frente à dominação, ora conformando-os à realidade tal como se apresenta.

Sobre o desenvolvimento da sociabilidade política, Scherer-Warren (1993:71) afirma que “sem sociabilidade política não há movimento social nem projeto coletivo em torno do qual lutar.” Para Grybowski (1987:59), “enquanto espaços de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores e aos sujeitos políticos7, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração de uma identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais”. Outro aspecto que merece destaque, no plano do desenvolvimento da sociabilidade política, refere-se ao conjunto de instituições e práticas sociais que interferem tanto na formação individual dos(as) participantes de um determinado movimento social como no processo de constituição da dimensão política dos movimentos sociais. Isso porque a dimensão política dos movimentos sociais se gesta também no processo de articulação que estes desenvolvem, de forma direta ou indireta, com instituições (Estado, Igreja, Partidos Políticos, ONG’S etc. e com as práticas sociais (profissionais e militantes etc). Na literatura sobre os movimentos sociais, a presença das instituições e práticas sociais junto aos movimentos foi comumente tematizada sob a perspectiva dos agentes externos. Trata-se, pois, de admitir que não só os indivíduos, mas também, os grupos e os movimentos sociais não se formam apenas de modo espontâneo. Sob esse aspecto, o processo de socialização abre um amplo leque de possibilidades, envolvendo reprodução de dominação, preconceitos, ao tempo em que permite, também, novas descobertas, contatos e aprendizagens. Tal processo não ocorre à toa, ao contrário, tem explícita direção ético-política, ordenada através da elaboração de um projeto ético-político.

c) A construção de um projeto de transformação:
Segundo Netto (1999:93), “a ação humana, seja individual, seja coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses, implica sempre um projeto, que é poucas palavras, uma antecipação ideal da finalidade que se quer alcançar, com a invocação dos valores que a legitimam e a escolha dos meios para atingi-la”. Nesse horizonte, a formação de um movimento social implica a existência de um projeto ético-político. No caso dos movimentos sociais pela livre orientação sexual podemos afirmar, tomando emprestado as reflexões de Scherer-Warren (1993:72) que: “este projeto está sendo construído em torno de duas perspectivas: uma é o objetivo específico em torno do qual se trava a luta ( por ex.: o exercício da sexualidade sem interdições8). Se o movimento social limita-se a isto, tende a terminar uma vez atingido o objetivo. A outra perspectiva é a utopia de construção de uma nova sociedade, a qual é concebida como um processo em que novas relações comunitárias e societárias vão sendo constituídas”.

Pensar o Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil pressupõe considerar a multiplicidade de expressões deste movimento seja através de grupos, ativistas que atuam em partidos políticos, sindicatos, articulações nacionais e ativistas independentes. Minha referência será a Liga Brasileira de Lésbicas.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo trazer algumas indicações às seguintes questões: Quais as formas de organização presente no Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil? Quais as estratégias de enfrentamento da lesbofobia/homofobia? Qual é o campo de relações dos grupos de lésbicas? Partidos Políticos, parlamento, mercado, outros movimentos sociais? Quais? Em que rede de relações está envolvido o Movimento de Lésbicas no Brasil? Quais as tensões, ambigüidades, convergências e divergências na sua práxis política?

Feminismo e lesbianidade: possibilidades e limites
O feminismo, como movimento social com pensamento crítico e prática política dedicou-se à contestação do modelo patriarcal de organização da sociedade que historicamente relegou as mulheres à condição de subalternidade na esfera privada e na esfera pública. Com o slogan “o pessoal é político”, o feminismo, principalmente a partir dos idos dos anos 1960, questionou a relação entre público e privado, indagando que, para as mulheres, a vivência no espaço doméstico não significava, na maior parte das vezes, o exercício da intimidade, mas a privação de direitos. É neste aspecto que o movimento feminista faz uma convocação para que as mulheres rompam com as relações de dominação e subordinação a que estiveram submetidas. A transformação nas relações de gênero, a liberdade e a autodeterminação das mulheres seriam, então, condições para que elas se reconhecessem como sujeitos políticos.

Para além do chamamento da população feminina ao exercício da sua autonomia, o feminismo as desafiava a ocupar espaços públicos para, também por meio do discurso e da intervenção política, definitivamente “inscrever as mulheres na história” (SCOTT, 1995:73). Com o slogan “nosso corpo nos pertence”, o feminismo dizia para a sociedade que as mulheres não mais iriam admitir que sua vida e sua sexualidade fossem controladas ou interditadas pelo Estado ou pela Igreja. É neste momento que suas militantes queimam sutiãs, exigem a legalização do aborto e o fim da violência sexista tanto no âmbito privado quanto na esfera pública. Nasce um movimento que viria a lutar pelo reconhecimento de uma “identidade feminina”, como colabora Hall:
O feminismo questionou a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e o “público”. O slogan do feminismo era: “O pessoal é político”. Ele abriu, portanto, para a contestação política, arenas inteiramente novas de vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças etc. Ele também enfatizou, como questão política e social, o tema da forma como somos formados e produzidos como sujeitos generificados [sic]. Isto é, ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas) (HALL, 1997: 49).

Se os direitos reprodutivos e os direitos sexuais estiveram entre os principais motes do movimento como forma de exercício da sexualidade sem tabus, normas ou opressões, também se faz necessário salientar que as reivindicações não incorporavam a diversidade de expressões das mulheres que o constituíam desde sua gênese.

Mesmo tendo considerado a sexualidade e a liberdade sexual como princípios de luta, no feminismo, a discussão esteve articulada, predominantemente, ao campo das demandas/necessidades reprodutivas, à vivência heterossexual. O que reflete, de certo modo, o modelo sexual socialmente reconhecido e legitimado como dominante. Isso talvez explique o quanto, segundo Ávila (2001), no início dos anos 1980, era comum a preocupação de feministas em enfatizar a identidade não necessariamente lésbica. Argumentavam que não se tratava de se considerar a lesbianidade um problema, mas faziam questão de demarcar a não generalização. Sob vários ângulos se pode compreender o “excesso” de cuidados por parte de algumas feministas a este respeito, mas compartilho do entendimento de Ávila quando afirma que “isso acabava criando apenas uma explicação social, sem o enfrentamento adequado desse ‘estigma’ e do que ele representa para a sociedade (...) Além de não enfrentar a questão lésbica, penso que o sujeito político feminista não tem ainda um discurso de defesa do lesbianismo. Existe até uma fala positiva em relação à questão da homossexualidade masculina, mas não do lesbianismo” (2001:07/08).

Nessa mesma linha de raciocínio, Charlotte Bunch (1996) destaca uma possível contradição no interior do movimento feminista: ao tempo que advoga por uma agenda de libertação da heterossexualidade compulsória de base patriarcal e contribui para elaborações conceituais e políticas que impulsionam o erotismo entre mulheres, também termina por deixar escapar resquícios lesbofóbicos quando se identifica os grandes obstáculos que tiveram e ainda têm as mulheres lésbicas em garantir suas reivindicações nos encontros internacionais.

Cumpre ao movimento garantir a radicalidade que o constitui, relacionando os princípios de autodeterminação, autonomia e controle sobre o próprio corpo ao debate em torno da diversidade sexual. Trata-se de “desenvolver uma teoria específica e radical para a sexualidade se quisermos conquistar direitos sexuais amplos, visto que a sexualidade tem suas próprias regulações e hierarquias” (Gonçalves, 2002:87). Afinal, se num dado momento histórico foi necessário separar opressão de classe e opressão de gênero para compreender as particularidades das violações cotidianas vividas pelo segmento feminino, há que se reconhecer que apesar de ser o conceito de gênero a categoria de análise fundante do feminismo que tem contribuído para políticas mais igualitárias, tal categoria em si torna-se insuficiente para explicar as desigualdades que geram a opressão sexual. Afinal, “supor automaticamente que o feminismo se converte em teoria da opressão sexual é não distinguir entre gênero e desejo erótico (...). É absolutamente essencial analisar separadamente gênero e sexualidade, se desejar refletir com maior fidelidade suas existências sociais distintas” (Rubin IN Gonçalves, 2002:87).

No entanto, em meio aos tensionamentos presentes na relação entre lésbicas e feministas é no interior do movimento feminista que há um maior acolhimento das lésbicas, incentivando-as ao seu processo de auto-organização. Apesar de não ter incorporado a lesbianidade como bandeira de luta como o fez com a questão do aborto o movimento feminista contribuiu para que mulheres lésbicas feministas pudessem se auto-organizar. Algumas terminaram por se distanciar do movimento feminista e depois retornaram para provocá-lo quanto a sua radicalidade e insubordinação à cultura patriarcal. Tiveram a exata compreensão de se fortalecerem e de reconhecerem no processo de auto-organização, tendo o exercício da fala pública como um instrumento fundamental para romper com o discurso da heteronormatividade. Daí que merece destaque como estratégia de enfrentamento a lesbofobia social e institucional o processo de auto-organização do movimento de mulheres lésbicas.

Outra questão refere-se ao distanciamento entre a luta de mulheres lésbicas e de homens gays, apesar de ambos compartilharem a opressão exercida pela homo/lesbofobia e questionarem a família heterossexual e patriarcal, há no seu interior, uma significativa parcela de seus líderes que reproduzem, predominantemente, práticas patriarcais, machistas e misóginas. Neste sentido, é fundamental resgatar a contribuição de Ávila sobre a reprodução do modelo patriarcal em nossa sociedade:
É necessário, também, desmitificar a visão sobre o patriarcado, muitas vezes tomado como algo ancestral e perdido no tempo, uma memória quase lendária, ou como algo que se exerce da mesma maneira, perenemente, a despeito dos contextos sociais e históricos. Portanto, ahistóricos [sic] [...]. Reconhecer a existência desse sistema de dominação, e fazer conhecer os mecanismos de sua reprodução em qualquer medida que isso ainda aconteça é uma importante contribuição do feminismo para a democratização da vida social. Não levar em conta a questão do patriarcado coloca, por outro lado, um limite na concepção e nas estratégias de luta por igualdade (ÁVILA, 2001:32-33).

Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil e a constituição da Liga Brasileira de Lésbicas como sujeito político.
Se nos anos de 19709 e 1980 as militantes lésbicas feministas enfrentaram as contradições existentes dentro do feminismo e o machismo do movimento gay para iniciar sua auto-organização em busca da constituição como sujeito político, a década de 1990 é marcada pelo ativismo das mulheres lésbicas organizadas em grupos ou de modo independente em fóruns, redes, articulações, sindicatos e partidos políticos. O momento é radicalizar a politização da sexualidade, de afirmação da lesbianidade como identidade política. É notória, neste caso, a articulação entre a prática política das lésbicas organizadas com o pensamento de Ávila:

(...) A conquista dos direitos exige um sujeito que anuncie seu projeto e tenha ação na esfera política, participando, assim, do conflito, que deve ser inerente à democracia e instituindo, como parte desse conflito, a luta contra as desigualdades a que estão sujeitas (ÁVILA, 2000: 7-8).

Dessa forma, os grupos de lésbicas vão se multiplicando e, aos poucos, conquistando maior visibilidade em todo o país. Um momento significativo para a organização lésbica brasileira foi a construção do Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE). O SENALE enquanto espaço construído por e para lésbicas visa dar visibilidade e fortalecer a organização das lésbicas no Brasil, debatendo temas de interesse como sexualidade, saúde, gênero, combate à violência, diversidade, entre outros.

O SENALE surgiu da necessidade de se ter um espaço, no Brasil, onde a questão específica das lésbicas pudesse ser discutida de uma forma mais ampla e democrática, já que nos encontros mistos esse espaço era e continua sendo insuficiente. A semente dessa luta política foi plantada em 1996, pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro – COLERJ e pelo Centro de Documentação e Informação Coisa de Mulher (RJ). Estas entidades realizaram, naquele ano, na cidade do Rio de Janeiro, o I SENALE , entre 29 de agosto a 01 de setembro, com participação de aproximadamente 100 lésbicas do Brasil, com o tema central: “Saúde, visibilidade e Organização”. Neste SENALE foi escolhido o 29 de agosto – como Dia Nacional pela Visibilidade Lésbica. A data adveio da necessidade coletiva de visibilizar um segmento que, historicamente, ocupou o espaço da clandestinidade. O amadurecimento político dos grupos de lésbicas e ativistas autônomas tanto durante os SENALE’s, como nas ações desencadeadas nos estados através da realização de debates, grupos de reflexão, seminários, encontros, atividades culturais, ações de rua como as caminhadas e a participação nas Paradas do Orgulho LGBTT, dentre outros contribuiu para que durante o III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, em janeiro de 2003, em meio à realização do Planeta Arco-Íris, em uma Oficina de Visibilidade Lésbica (que contou com a participação de dezenas de mulheres lésbicas e bissexuais de vários estados do Brasil e com a presença de ativistas e não ativistas de outros países) fosse construída a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL).

A LBL, enquanto instância de empoderamento e mobilização nacional e internacional das lésbicas foi criada por mulheres lésbicas, ou seja, por mulheres que se relacionam afetivo-sexualmente com mulheres e que ousaram e ousam politizar a sexualidade, combatendo a heteronormatividade. Ou seja, mulheres que trazem a público a lesbianidade como uma das formas de orientação e expressão sexual e como identidade política.

Durante o V SENALE, que aconteceu em junho de 2003, em São Paulo, foram realizadas várias reuniões e uma plenária da LBL. Neste momento foram construídas diretrizes para carta de princípios e escolhida uma coordenação executiva provisória. No XIV Encontro Nacional Feminista, realizado no período de 13 a 16/11/2003, em Porto Alegre, a LBL realizou uma plenária que definiu sua primeira coordenação. Atualmente, a LBL está organizada11 em quatro regiões do Brasil: nordeste, sul, sudeste e centro-oeste e congrega além de organizações, entre as formadas só por mulheres e as mistas, com núcleos de lésbicas, um número significativo de ativistas autônomas (não vinculadas a grupos lésbicos). No período de 5 a 7 de novembro de 2004 foi realizado o “I Encontro Nacional da Liga Brasileira de Lésbicas: Coletivizando idéias e horizontalizando ações”. Esse evento contou com a participação de 61 inscritas, entre lésbicas organizadas em grupos e autônomas. O encontro possibilitou discussões enriquecedoras para o processo de amadurecimento político do movimento. As discussões privilegiaram uma retrospectiva histórica da LBL, o lugar do sujeito político movimento de mulheres lésbicas e sua relação com outros sujeitos e a discussão em torno da carta de princípios que constitui um primeiro instrumento de sistematização de seu projeto ídeo-ético-político.

Nessa perspectiva, a LBL12 é uma expressão do movimento social, que se constitui como espaço autônomo e não institucional de articulação política, anti-racista, não lesbofóbica e não homofóbica, de articulação temática de lésbicas e bissexuais, pela garantia efetiva e cotidiana da livre orientação e expressão afetivo-sexual. É um movimento que se soma a todos os movimentos sociais que lutam pela construção de uma sociabilidade anti-capitalista. A Liga Brasileira de Lésbicas não pretende se constituir em única alternativa de articulação e ação de grupos, entidades, pessoas e movimentos que dela participam.

Nesse sentido, a LBL13 enquanto instância autônoma de articulação política e temática das mulheres lésbicas e bissexuais pretende contribuir com o fortalecimento do movimento pela luta dos direitos das mulheres lésbicas e bissexuais, em nível local, regional, nacional e internacional. Entre os princípios construídos coletivamente, vale destacar: (1) a autonomia, a autodeterminação e a liberdade como princípios fundamentais para o exercício da sexualidade sem coerção; (2) a democracia como exercício permanente e cotidiano; (3) a horizontalidade no sentido de evitar hierarquias de poder; (4) a defesa da laicidade do Estado; (5) a solidariedade com o conjunto dos movimentos sociais; (6) a defesa do feminismo e de suas bandeiras; (7) a luta contra o patriarcado e todas as formas de fundamentalismos; (8) uma posição anti-capitalista.

Como objetivos, a LBL tem buscado implementar através de suas militantes: (1) Fortalecer o empoderamento das mulheres lésbicas e bissexuais; (2) Incentivar que lésbicas da LBL estejam em espaços de formulação, deliberação e controle de políticas públicas; (3) Contribuir para o fortalecimento do movimento de lésbicas no Brasil. (4) Promover e difundir uma cultura afirmativa da lesbianidade e da bissexualidade como expressões da sexualidade humana e, portanto, como direitos humanos. (5) Articular-se com setores da sociedade civil organizada, desde que não firam os princípios da carta de princípios; (6) Promover ações que combatam a violência contra e entre lésbicas e bissexuais; (7) Criar espaços de discussão sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos das lésbicas e bissexuais. (8) Respeitar as decisões resultados de construção coletiva através de assembléias, plenárias e reuniões em todas as instâncias; (9) Construção e realização do VI SENALE (2006); (10) Contribuir para formação política feminista, merecendo destaque a importância dos princípios da autonomia, autodeterminação e ruptura com o patriarcado e suas expressões como o machismo e o sexismo; (11) Contribuir para fortalecer o movimento de mulheres lésbicas como sujeito político. O que significa que a visibilidade como lésbica não é só para demarcar a orientação sexual, o desejo afetivo-sexual por mulheres, mas também um posicionamento político da defesa pela livre orientação sexual sem policiamento das práticas afetivo-sexuais. A posição política como lésbica constitui uma estratégia de enfrentamento da heteronormatividade; (12) Combater cotidianamente a lesbofobia e a homofobia; (13) Combater a violência de gênero, sexista e doméstica, reconhecendo estas formas de violência como violações aos direitos humanos das mulheres. As expressões desta violência tanto na relação entre mulheres e homens como entre mulheres. (14) Contribuir para erradicar “cultura do individualismo e do personalismo” como elementos perversos de ações políticas, cuja finalidade não é o interesse público; (15) Contribuir para disseminação da informação de forma pública através da lista nacional da LBL e através dos momentos presenciais.

Liga Brasileira de Lésbicas: ação política ao longo de três anos...
A constituição, consolidação e o fortalecimento do movimento de mulheres lésbicas como sujeito político, portanto, a defesa da visibilidade lésbica como ação política constitui um questionamento ao patriarcado. A afirmação da lesbianidade constitui uma identidade política.

Nesse sentido, partilho do entendimento de Ochy Curiel quando afirma “sou feminista e o feminismo é concebido para mim como pensamento teórico-crítico e prática política, uma forma de construir o mundo, desconstruindo o patriarcado que se fundamenta no sexismo, na exploração econômica, na heterossexualidade obrigatória, no racismo, na lesbofobia/homofobia e na xenofobia como sistemas articulados que afetam fundamentalmente as mulheres. Por tanto, partilhando ainda do entendimento de Ochy, a lesbianidade que a LBL vem afirmando é feminista e como identidade política se refere a uma posição estratégica que questiona uma das instituições na qual se sustenta o patriarcado: a heterossexualidade como norma, de onde se concebe a reprodução e a maternidade como destino e não como escolha das mulheres e que o objeto de desejo das mulheres são, restritamente, os homens. Pensar ainda sobre a construção das identidades significa reconhecer que tal construção se dá pela vivência da opressão, da partilha de necessidades em comum. Trata-se de uma experiência subjetiva e intersubjetiva, portanto, a construção da identidade é necessariamente individual e coletiva.

Entre as ações que a LBL vem implementado, ao longo de seus 3 anos, através de suas militantes estão: (1) Ampliação de lésbicas participantes da LBL; (2) Amadurecimento político e incorporação da participação das bissexuais na LBL; (3) Parceria com organizações lésbicas como o Coturno de Vênus/DF; (4) Articulação e parceria com a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (RFS), através do GT Hilda Hilst na construção dos “Diálogos Estratégicos” realizados em Belo Horizonte, Goiânia, São Paulo e Paraíba; (5) Articulação com RFS em torno da pauta da legalização e descriminalização do aborto; (6) Participação e construção das Paradas das Diversidades nos vários estados do país; (7) Construção e participação das Caminhadas Lésbicas em São Paulo, Florianópolis/SC, Porto Alegre/ RS, Recife/PE, Belo Horizonte/MG, dentre outras; (8) Participação das agendas locais de combate à violência contra a mulher nos vários estados do país; (9)Participação em audiência, em Brasília, em 29/08/2005, com a ministra Nilcéia Freire para construção de agenda de reivindicações do movimento de lésbicas e incidência política junto às demais Secretarias e Ministérios do Governo Federal quanto à incorporação da defesa e garantia dos direitos das lésbicas nas diferentes áreas (saúde, educação, segurança, direitos humanos, dentre outras); (10) Garantia de assento em espaços de controle social em nível nacional e municipal: Conselho Nacional de Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Porto Alegre, Conselho Municipal de Direitos da Mulher de Recife; (11) Garantia de posicionamento crítico frente à violência entre lésbicas a exemplo da Carta de Repúdio que se encontra como anexo ao Relatório do Encontro Regional realizado em Natal/RN; (12) Participação com incidência política na construção de diretrizes para políticas públicas voltadas para lésbicas na I Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (I CNPM), em Brasília, no ano de 2004; (13) Participação na Comissão Organizadora do 10º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho, em São Paulo (Serra Negra) no período de 9 a 12 de Outubro de 2005; (14) Participação de uma militante lésbica feminista como debatedora nos Diálogos Complexos “Feminismo e lesbianidade: sexualidades e democracia” durante o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho; (15) Participação de militantes da LBL na construção do “VI SENALE: Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”; (16) Participação de uma militante com uma das expositoras na mesa central do VI SENALE, intitulada “Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”; (17) Participação de um significativo número de militantes da LBL, de vários estados do país, no VI SENALE; (18) Participação da Parada LGBT de SP de 2005 com fala pública; (19) Realização de falas públicas e entrevistas como LBL em vários espaços de atuação e de mídia; (20) Parceira com o Conjunto CFESS (Conselho Federal de Serviço Social) e CRESS (Conselho regional de Serviço Social) na “Campanha Nacional pela Livre Orientação e Expressão Sexual “O Amor fala todas as línguas – Assistente Social na luta contra o preconceito”; (21) Participação com incidência política na construção de diretrizes para políticas públicas voltadas para lésbicas na 3ª Conferência Municipal da Mulher “Fortalecendo as Políticas Públicas de Igualdade e Controle Social” (Recife/2006); (22) Realização de inúmeras atividades da visibilidade lésbica promovidas pelos grupos, em todo o Brasil, em torno do 29 de agosto – Dia Nacional de Visibilidade Lésbica, como debates, oficinas, seminários, mostras de arte, dentre outros; (23) Ampliação da parceria e enfrentamento dos tensionamentos com o movimento feminista, pois a exemplo das mulheres negras que vêm, ao longo de mais de uma década, fazendo incidência política no sentido de que o racismo seja incorporado à agenda política do movimento feminista, as lésbicas feministas estão provocando o feminismo para desconstruir a invisibilidade lésbica e enfrentar a lesbofobia, presente não apenas na sociedade em geral, mas dentro do próprio movimento.

Alguns desafios para o Movimento de Lésbicas Brasileiro
Para o enfrentamento da heterossexualidade compulsória um primeiro desafio é contribuir para o empoderamento do maior número de lésbicas no sentido do fortalecimento de sua auto-estima como mulher lésbica e cidadã. Isso significa a luta permanente perante a sociedade e o Estado pelo reconhecimento do direito à cidade, à coisa pública. A invisibilidade é uma violência simbólica praticada cotidianamente contra as mulheres lésbicas. Trata-se da negação do direito de existir.

As lésbicas organizadas também querem romper com a cultura de sua denominação de movimento como “minorias sexuais”, que representa um recurso ideológico que, ao contrário de visibilizar o movimento pela livre orientação e expressão sexual termina por fragilizá-lo politicamente. Dessa forma, faz-se necessário, cada vez mais, a ampliação do debate e das ações públicas em torno da politização da sexualidade, no sentido de romper com a heteronormatividade e com a lógica patriarcal que ainda impregna a cultura, apesar de todos os avanços e conquistas do movimento de mulheres e feminista.

Outro desafio que se apresenta ao movimento é a eterna vigilância para não cair nas armadilhas conservadoras e fundamentalistas da explicação binária da sexualidade. Isso significa garantir a identidade política do sujeito movimento de mulheres lésbicas, mas sem aprisionar o desejo, não fixá-lo em uma única direção. Mais uma questão fundamental para o movimento em sua afirmação como sujeito político é a problematização constante da práxis política. Têm sido recorrente, entre os debates das lésbicas organizadas junto à LBL, por exemplo, questões sobre como lidar com o poder, problemantizando, ainda, em qual medida ele pode fortalecer ou fragilizar o movimento.

E, como uma das maiores representações do enfrentamento deste debate no âmbito do movimento de mulheres lésbicas vale registrar que o VI SENALE, como os demais SENALE´s, constituiu um momento efetivo de empoderamento das mulheres lésbicas, incorporando à agenda política do movimento social de lésbicas alguns desafios: (1) o empoderamento, tema central do encontro, tratou da questão do lugar de sujeito político do movimento social de mulheres lésbicas no Brasil, refletindo o poder e a democracia. Trouxe pela primeira vez o diálogo crítico baseado no respeito às diferenças, entre as duas principais articulações nacionais de lésbicas: Liga Brasileira de Lésbicas e Articulação Brasileira de Lésbicas. E ainda, o diálogo entre estas articulações nacionais com a militância do movimento conhecido autônomo; (2) a incorporação, a partir da demanda do movimento de lésbicas negras, de que o tema “Racismo, Discriminação Racial e Lesbianidade” deixasse de ocupar apenas o lugar de oficinas/grupos de trabalho para ser uma das mesas centrais do SENALE; (3) a pauta da relação movimento social de mulheres lésbicas com outros sujeitos políticos, como transexuais, prostitutas, pessoas com deficiência e gays também constituiu mesa central pela primeira vez. Particularmente, o debate entre lesbianidade e transexualidade apontou a necessidade do movimento, ou melhor, das várias tendências presentes no movimento social de lésbicas brasileiro, continuarem um debate que no, VI SENALE, apenas começou. (4) a preocupação pioneira em sistematizar a memória e a história dos SENALE´s de forma mais pública ao trazer à tona, em forma de publicação, o que foi conquistado em cada Seminário Nacional de Lésbica; (5) Uma das estratégias que se destacou durante o seminário foi o controle social. O VI SENALE pautou o tema do controle social numa mesa central, e garantiu pela primeira vez, que o tema fosse refletido na plenária final, onde foram definidas as atribuições, os critérios e os perfis de ativistas que deverão compor os diferentes Conselhos, representando as lésbicas, bem como foram definidos os nomes das ativistas lésbicas que foram democraticamente votados e legitimados para representação nos espaços de controle social.

O resultado do SENALE é fruto da maturidade e organização do movimento social de lésbicas do Brasil, e sem dúvida de muita coragem e ousadia em visibilizar essa história.

Sobre o reconhecimento coletivo de um direito, observamos que há uma agenda comum entre os movimentos LGBTT e o feminista: a luta pela garantia dos direitos sexuais como direitos humanos, o que significa a luta contra a heterossexualidade como norma, pela livre orientação e expressão sexual. Notamos que a luta pela garantia de políticas públicas, por legislações anti-discriminatórias, não reguladoras dos prazeres e corpos, quer por questões relativas à livre orientação e expressão sexual, quer pelo direito das mulheres de decidirem sobre a interrupção da gravidez também aproxima tais movimentos.

Contudo, o reconhecimento coletivo deste direito aponta para a constituição de diferentes identidades políticas: lésbicas, feministas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros. Uma questão importante no que se refere à constituição das identidades é a referência de uma identidade não-fixa, de caráter não essencialista. O que significa reconhecer a livre orientação sexual não como fim em si mesmo, como algo pronto, acabado e sem mutações. A afirmação do sujeito político lésbica, gay, bissexuais, travesti e transgênero não significa a regulação ou a prática policialesca quanto a sua prática sexual. Significa o reconhecimento que todo e qualquer movimento necessita de sujeitos políticos. É assim com o movimento feminista, com o movimento negro, dentre outros.

A construção dessas identidades, por vezes, atravessa cisões e nos coloca dilemas e tensões nestes diálogos. Por exemplo, a luta contra a mercantilização do corpo das mulheres, ou seja, da exposição das mulheres como objetos sexuais constitui um tema polêmico na agenda do movimento feminista, assim como o movimento de lésbicas precisa enfrentar de forma mais radical a violência sexista e de gênero entre lésbicas. O movimento gay necessita enfrentar o machismo e a misoginia ainda presente em boa parte de suas lideranças.

Acredito que seja possível e fundamental articular as diferentes frentes de batalha em função de uma finalidade maior, em torno de um projeto radical de sociedade com capacidade de abrigar as lutas gerais, sem excluir nenhuma particularidade. Isso exige solidariedade. Pensar diálogos entre movimentos de emancipação significa também compreender que nenhum movimento deva considerar sua pauta mais importante ou mais significativa (árdua), secundarizando a de outro.

Para construção de uma Agenda Política Nacional, tais movimentos precisam identificar de que forma estão lidando com o exercício do poder. Se numa perspectiva que contribua, efetivamente, para libertação de mulheres e homens e não para reproduzir as antigas opressões que criticamos na família, no Estado, nas religiões, na escola, na sociedade em geral. É preciso reconhecer que as diferenças não podem se traduzir em muralhas para o diálogo. Quando os sujeitos coletivos não se colocam de forma mais qualificada e solidária, fragmentam-se as lutas, enfraquecem o poder de pressão.

No âmbito da construção de um projeto de transformação social, se faz necessário, ainda, que o movimento LGBTT e o movimento feminista revejam suas bases de radicalidade. A luta por demandas imediatas como a garantia de direitos civis, políticos, econômicos, culturais, sociais ainda é insuficiente e não pode ser o único fim de tais movimentos, uma vez que estamos frente à sociabilidade sob o capital.

Responder às demandas de garantia sexual e reprodutiva como direitos humanos para lésbicas, gays, mulheres, travestis, transgêneros, negras(os) - sujeitos invisibilizados permanentemente é fundamental, mas não basta!! Faz-se necessário que tais movimentos possam reoxigenar seu horizonte societário. Isso tem a ver com o fim do patriarcado, da homofobia, da lesbofobia, do racismo, do sexismo, de todas as formas de fundamentalismos, mas tem a ver também com o posicionamento crítico frente às desigualdades sociais, à naturalização da sociabilidade do capital como único horizonte possível. Sob a sociabilidade do capital algumas das conquistas do movimento lésbico, bem como dos movimentos gay e feminista, em sua trajetória de se contrapor à heterossexualidade compulsória, se tornam insuficientes, pois que estão aprisionadas à lógica mercantil, em que o ter se sobrepõe ao ser. A construção de um outro mundo é possível, urgente e necessária, mas, também exige que o movimento lésbico, juntamente com outros movimentos sociais, possa contribuir cotidianamente para a construção de uma sociedade sem exploração e opressão. Uma sociedade de mulheres e homens verdadeiramente livres e emancipados (as).

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BIBLIOGRAFIA
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BUNCH, Charlotte. IN ROSENBLOOM, Rachel. Unspoken rules. S.l., s.ed., 1996.
GONÇALVES, Eliane. Você é fóbico? Uma conversa sobre democracia sexual IN IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.
GONÇALVES, Eliane.Gozar o direito de gozar: sobre a pauta dos direitos sexuais como direitos humanos das mulheres IN AGENDE (Ações em Gênero, cidadania e desenvolvimento) – Curso Nacional de Advocacy Feminista em Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos/Marlene Libardoni (coord.) – Brasília: AGENDE, 2002.
MESQUITA, Marylucia. Movimento de Mulheres Lésbicas no Brasil: Sinalizando algumas conquistas e desafios para o século XXI. Texto publicado na Revista Lábia do Galf – Grupo de Activistas Lesbianas Feministas. Tercera época. Nº 18, Lima, diciembre, 2004. site: www.galf.org
NEPEDH. Direitos Humanos: Bandeira Cotidiana da Luta dos Movimentos Sociais pela Afirmação dos Direitos e da Diversidade IN Temporalis. ABPSS. Ano 3, nº 5. Brasília: ABEPSS, 2002
PETCHESKY, Rosalind Pollack. Direitos Sexuais: um novo conceito na prática política internacional. In Sexualidades pelo avesso – direitos, identidades e poder. Regina Barbosa e Richard Parker (org.). RJ: IMS/UERJ; SP: Ed. 34, 1999.
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminação por orientação sexual no direito brasileiro. IN Homossexualidade, cultura e política. Célio Golin e Luis Weiler (org.). Porto Alegre: Sulina, 2002.
SOARES, Gilberta Santos. Direitos Sexuais como Direitos Humanos: um convite à reflexão. IN IN Jornal da Rede Saúde nº 24 – dezembro/2001.

Notas

1 Artigo apresentado durante o XIII ENCONTRO DA REDE FEMINISTA NORTE E NORDESTE DE ESTUDOS SOBRE A MULHER E RELAÇÕES DE GÊNERO – REDOR, em Recife/PE, 2006.
2 Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela UFPE (2001); Co-fundadora, Coordenadora Geral, Educadora e Pesquisadora do DIVAS – Instituto em Defesa da Diversidade Afetivo-Sexual; Militante da Liga Brasileira de Lésbicas e do Fórum de Mulheres de Pernambuco; Pesquisadora e bolsista do 12º Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva coordenado pelo MUSA/ISC/UFBa e NEPO/Unicamp; Turma 2005-2006.
3 Cf. Castells (1983); Jacobi(1989); Doimo (1995), dentre outros.
4 Grifo meu.
5 Grifo do autor.
6 Grifo do autor.
7 Grifo meu.
8 Grifo meu.
9 Como é de conhecimento público o processo de politização da sexualidade, no Brasil, ocorre no final dos anos 1970, no período de abertura política, onde gays e lésbicas se organizam no primeiro grupo de afirmação homossexual do país, o Somos em São Paulo. A organização lésbica marca os idos dos anos 1979, quando lésbicas, predominantemente feministas, começam a sentir necessidade de desenvolver a formação de um subgrupo que agregou várias denominações: facção lésbica-feminista, subgrupo lésbico-feminista, ação lésbica-feminista. Em maio de 1980, constitui-se como primeiro grupo só de lésbicas, denominado Grupo Lésbico-Feminista, ou simplesmente – LF. Na verdade, a constituição do LF foi uma resposta ao machismo e ao patriarcado presentes no movimento gay.
10 De 1996 a 2003 foram realizados cinco Seminários Nacionais de Lésbicas. No encerramento do V Seminário, em São Paulo, a plenária aprovou que o VI SENALE seria realizado em João Pessoa, na Paraíba, em setembro de 2005. No entanto, o local precisou ser revisto, devido a dificuldades da Comissão Organizadora da Paraíba. O VI SENALE ocorreu no período de 18 a 21 de maio de 2006, ano em que completam 10 anos de realização dos SENALE´s no Brasil. O temário central do VI SENALE foi “Movimento de Mulheres Lésbicas como Sujeito Político: Poder e Democracia”. Contou com a participação de 246 mulheres, entre lésbicas, bissexuais e heterossexuais de todos os estados do Brasil.
11 Atualmente, a LBL possui uma coordenação colegiada nacional composta coordenações colegiadas regionais. E-mail: ligabrasileiradelesbicas@uol.com.br
12 O conteúdo aqui exposto sobre a LBL foi uma compilação do sistematizado nas Cartas de Princípios das Regiões Sul, Nordeste e de São Paulo, apresentadas no I Encontro da LBL (novembro/2004).
13 Idem.

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